Virgínia Lúcia F. Menezes, baiana nascida em 1958, radicou-se sergipana aos dez anos de idade. Até esse momento, foi uma criança negra que viveu dois movimentos culturais em paralelo: a cultura sergipana em ambiente doméstico e a efervescência cultural soteropolitana em vigor naquele período. Esse cruzamento cultural, além de rico, pode ser também solitário, assim ler, para ela, era uma forma de se relacionar com o mundo de maneira íntegra. Por isso começou a escrever e guardar suas poesias, iniciando essa relação que definiria parte tão importante de sua vida e apaixonando-se pela literatura de cordel.
Foi estudante do Curso de Edificações, Escola Técnica Federal de Sergipe, hoje Instituto Federal, o que lhe garantiu um emprego como eletricitária por 23 anos. Esse trabalho permitiu que ela bancasse seus empreendimentos no teatro durante todo esse período e a transformou, como gosta de dizer, em sua própria mecenas. A autonomia política e estética em relação ao próprio trabalho é algo muito importante na construção de sua trajetória em arte. Mas a escola técnica também é o marco de sua transformação em uma mulher de teatro. Tutoreada pelo professor Severo D’Acelino, mesmo no Curso de Edificações, começou a produzir em teatro com dedicação e regularidade, tanto atuando quanto escrevendo esquetes, funções que seguiu desenvolvendo em outros agrupamentos ao se formar.
A dramaturga foi um dos membros fundadores do Grupo Teatral Imbuaça, no qual permaneceu por cinco anos e onde estreou seu primeiro texto: A História da Coroa do Meio, em 1978. Ao sair do grupo, seguiu como atriz, dramaturga e figurinista em iniciativas no teatro de rua, paralelamente ingressou no Curso de Administração de Empresas na Universidade Federal de Sergipe (UFS). O curso lhe pareceu voltado para o controle da produção, uma espécie de agente regulador das opressões vividas pelos trabalhadores, e por isso abandonou a formação, ingressando em seguida no Curso de Direito, graduando-se por fim, em Artes Visuais, na mesma Universidade. Mas, a crítica social relacionada à exploração da classe trabalhadora é evidente em seus textos até os dias de hoje, como um reflexo do engajamento político adquirido naquele período e que se refinou com o passar dos anos.
Foi convidada a participar do Grupo Teatral Mambembe, onde, colocando Brecht e a literatura de cordel (suas principais referências) em diálogo, escreveu 20 peças, dentre elas Quem matou Zefinha? (1985). O texto conta a história de uma mulher que morre de desgosto diante da luta enfrentada por ela e seu marido por um direito básico do cidadão: a moradia. Luta que os trabalhadores precisam travar com bancos, com a mídia e, claro, com o governo. Os malabarismos que os pobres precisam fazer diante dos pacotes econômicos, nos quais o seu bem viver nunca está incluso, é materializado no texto pela estrutura do circo, pelo jogo com o coro e pela construção de tipos.
Esse texto foi premiado na época em um festival no Chile, que nomeou a personagem Zefinha como a representação da mulher latino-americana, e foi remontado em diversas ocasiões e Estado, dentre eles São Paulo, Pernambuco e Mato Grosso do Sul. Quem Matou Zefinha? faz parte de uma trilogia, composta também pelo texto Brasilino Morto e Vivo e Quem Tviu Quem TV. Os três textos foram montados pelo Grupo Teatral Mambembe e estão disponíveis no YouTube, na página do Projeto Teatral Serigy, criado pela autora.
O Teatral Grupo de Risco (MS), um dos grupos que remontou Quem Matou Zefinha?, seguiu em parceria com a dramaturga em um novo projeto intitulado O mito do mato (2014). A partir da pesquisa realizada pelo coletivo, e tomando como inspiração Os sete contra Tebas, de Ésquilo, Virgínia escreveu sobre a criação de dois Estados: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Usando do trabalho com o coro, evidenciou as tentativas de alienação das massas durante todo o processo de separação, fato que se configurou como uma disputa cultural e econômica, longa e sangrenta, que visava atender aos desejos das elites.
A dramaturga escreveu muito sob encomenda, mas sem abandonar a sua crença de que o teatro tem uma função social, didática até. Usa da comédia para estabelecer suas críticas, fazendo o público rir de si mesmo. Segundo a própria Virgínia Lúcia, “a mulher negra que escreve sabe que está sozinha. E segue traduzindo o que acha prioridade”, no caso da autora, a dialética.
Laís Machado