ESPANTALHO – Cidadãos desta cidade! Vou interromper esta peça, enquanto Cazuza e Zefinha chegam em casa. Vou falar de uma pessoa muito bem conceituada. Porque nem sempre se tem o privilégio, ou diria ainda mais: nem sempre se tem a felicidade de se ver alguém assim tão importante. Refiro-me ao Senhor Teobaldo Pereira Pinto. Ele mora ali. O senhor Teobaldo Pereira Pinto mora numa rua florida, com muitas flores, que o senhor Teobaldo mandou plantar. Ele mora num lindo sobrado que até dá gosto de se ver...
(Entra o Senhor Teobaldo, carregado por Cazuza, cruza a cena por trás da tenda. Os dois surgem do fundo, em situação de explícita exploração do rico pelo pobre.)
CAZUZA – Sim. Eu trabalho para o senhor Teobaldo. Todos os dias eu encero o piso do sobrado, limpo as portas de madeira jacarandá. Dou brilho e polimento nas maçanetas douradas. Mas eu não faço tudo isso sozinho não, pois o sobrado é imenso... (dirige-se ao patrão, puxando o saco.) Que belo dia, hein, Doutor Teobaldo?
TEOBALDO – Não acho bonito!
CAZUZA – (desconcertado.) Como eu ia dizendo, está mesmo nublado hoje. O dia não está muito bonito...
TEOBALDO – Como estou hoje?
CAZUZA – Corado, senhor! Com um aspecto muito bom!
TEOBALDO – Me acho pálido!
CAZUZA – Às vezes a gente se engana... olhando melhor, o senhor está mesmo pálido1
TEOBALDO – (pensando com arrogância e em voz alta.) Eu hoje quero realizar bons negócios. Preciso pensar... tenho que ficar em casa pensando em como aumentar o meu patrimônio. (começa andar de um lado para outro. Chama Cazuza para acompanhá-lo.) Mais depressa que eu estou pensando rápido. Bem... Deixe-me ver... Minha construtora vai de vento em popa, apesar da crise!
TODOS – O Senhor Teobaldo tem uma construtora!
TEOBALDO – O meu banco este ano vai dar 700% de lucro, apesar da alta do dólar!
TODOS – O senhor Teobaldo tem um banco!
TEOBALDO – Minha plantação de cana vai bem, a fazenda, a fábrica, as terras...
TODOS – O senhor Teobaldo tem quilômetros quadrados de terra!
TEOBALDO – Mas tenho que aumentar o meu patrimônio.
TODOS – O Senhor Teobaldo quer ficar cada vez mais rico!
ESPANTALHO – Voltando à história de Zefinha, que morou no mosqueiro, que gosta de...
TEOBALDO – (mirando o corretor de cima até em baixo. Explode de intolerância de quem foi interrompido, prossegue planejando o seu objetivo de ficar mais rico.) Cale-se! Imbecil!
ESPANTALHO – Mas tenho que continuar a história de Zefinha! A esta hora ela já deve ter chegado em casa, no seu novo lar... deve estar esperando o seu marido Cazuza e...
TEOBALDO – Ninguém vai incomodar o Sr. Teobaldo. Eu estou pensando... Já sei! Um telefone! Rápido! Eu quero um telefone! (algum braço estende ao Senhor Teobaldo um telefone.). Alô? É da imobiliária? Eu quero falar com o dono... É ele quem está falando? Eu sou Teobaldo Pereira Pinto! Eu quero comprar terras, muitas terras. Como? Sim. Eu aguardo. (dispensa o telefone.) Já estará chegando aqui um corretor de imóveis. Isso mesmo; comprarei mais terras.
CORRETOR – Depressa, mais que depressa, diretamente da imobiliária Terras do sem Fim, eu sou o corretor!
TEOBALDO – (com algum descaso.) Sim?
CORRETOR – (respira fundo após se decepcionar com a frieza de Teobaldo.) – Este homem é tão importante... (à plateia.) tenho de parar de tremer e vender firme para ele. (vai até Teobaldo.)
Aqui tem uma fazenda
Que muito vai lhe agradar
O preço é uma bagatela
O Senhor pode pagar
Tem casa tipo mansão
O fundo dá para o Batistão
E a frente dá para o mar
Tem cem hectares de terra
Terreno no bairro jardins
Praia de Aruana e parque dos coqueiros
E já que o senhor é construtor,
Pode construir conjuntos
Contendo muitas moradias
Casas!
Apartamentos!
Usando o fundo de garantia
De quem ainda é empregado
É o melhor investimento
O SFH financia
E quem comprar
Paga dobrado.
TEOBALDO – Sim!
CORRETOR – Comprar terras hoje em dia
É uma transação das boas
Agora me diga:
Qual vai querer primeiro freguês?
TEOBALDO – Compro tudo de uma só vez
(passa o cheque.)
Você já deu o seu recado
Agora prove que é um bom rapaz
Pode ir se retirando
Eu quero descansar em paz.
TODOS – O Sr. Teobaldo está muito cansado
Ele hoje gastou muitos milhões
O Sr. Teobaldo está muito feliz.
(Fragmento de Quem matou Zefinha?)