Pedro Bertoldi é um dos mais jovens e talentosos dramaturgos do Sul do Brasil. Originário de Gramado, interior do Rio Grande do Sul, ele vem se destacando por sua produção poética, instigante e contundente. Trabalha com os coletivos Projeto GOMPA e Coletivo Nômade em processos colaborativos, além de ter uma produção continuada de escritura individual. Dramaturgo, ator, professor e produtor, Pedro é graduado em Teatro, com ênfase em Atuação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2021), constituindo-se como um dos novos nomes da dramaturgia brasileira, sendo continuamente levado à cena no RS. Em sua produção, verifica-se um vasto e diversificado número de dramaturgias escritas em processo colaborativo, bem como uma escrita continuada de obras ditas "de gabinete".
Além de narrativas autorais, Pedro se engaja também em um teatro político, que bebe muitas vezes em clássicos para falar do hoje. É o que ocorre em obras como Alice no País das Maravilhas ou 2016 metros de mordaça (2017), Inimigos na casa de bonecas (2018) e Frankenstein (2019), que traduzem de modo poético e crítico o Brasil atual. Em Frankenstein, composta em um processo colaborativo junto ao Projeto GOMPA, o dramaturgo retoma a fábula de Mary Shelley, associando de modo poético a imagem da mulher àquela da floresta, trazendo um questionamento sobre a violência que a mulher sofre e sua necessidade de se reerguer e seguir de pé. Enquanto homem, Pedro questiona as narrativas masculinas que imperam sobre a mulher, assumindo-se na voz da narradora de Frankenstein sobre sua criatura: "como os homens não sabem escrever histórias sobre mulheres, ele a fez sem história”, silenciando-as e invisibilizando-as, como aparece neste fragmento de Frankenstein, escrita em coautoria com Camila Bauer e Carina Corá. Em Inimigos na casa de bonecas, do mesmo coletivo e escrita em parceria com Camila Bauer e Marco Catalão, duas obras de Ibsen servem de base para refletir sobre o Brasil atual. Neste caso, além de questões voltadas à mulher, Pedro traz problemáticas em torno do racismo, da violência que as pessoas negras sofrem no Brasil, além de discutir questões de ética e desigualdade social. Esta obra foi apresentada na Noruega, em 2019, no Ibsen Festival.
Enquanto dramaturgo negro, Bertoldi se dedica também a uma escritura afrocentrada, que aborda diferentes problemáticas em torno da negritude. É o que ocorre em obras como A última negra, estreada de modo virtual, em 2021, pelo coletivo Projeto GOMPA, e que recebeu Menção Honrosa no Festival Cine Negro em Ação. A obra traz dois planos temporais distantes 100 anos um do outro. No Brasil de hoje, há um extermínio da população negra, mas uma única mulher tem seu corpo congelado, recobrando vida 100 anos depois, sendo, então, "a última negra". A obra mostra, por meio de uma mistura de distopia e ficção científica, como é ser o único/último negro em diferentes espaços de poder no Brasil atual. Com humor e violência, Pedro conduz o espectador através de narrativas que refletem sobre o racismo no Brasil, questionando também o papel das pessoas brancas na luta antirracista.
Em Estocolmo (2016), Bertoldi aborda questões de abuso em um contexto familiar: a diferença no trato de dois irmãos, as questões raciais envolvidas e o abuso sexual. Um desdobramento desta obra aparece em Caim (2021), criada em colaboração com o coletivo Nômade. Em Olga (2020), obra escrita em colaboração com Edelweiss Ramos, Pedro concentra a ação no último dia de Olga Benário, ainda que o discurso enunciado pela atriz rapsoda transite pelos principais acontecimentos de sua vida, mesclando diferentes vozes, tempos e narrativas em primeira pessoa. Já em Por que Plutão não é mais um planeta? (2019), vemos o uso de elementos metateatrais. A obra começa com uma fala do autor: "Bem-vindos a minha última peça sob a regência do amor. Este não é um decreto. É um pedido. Uma oração de quem se encontra destruído e precisando seguir. Talvez seja justamente por isso que estou escrevendo.” Pedro encontra nas palavras seu refúgio frente ao mundo, seu escudo e amuleto, sua fagulha de sobrevivência. E o faz com doçura, poesia e humor.
A obra de Bertoldi lida com a violência, com os abusos gerados pela cor, pelo gênero, pela família, pela polícia, pelos sistemas de poder; trata-se de abusos físicos, morais, psicológicos e sexuais. Suas peças revelam muitas das dores que, com frequência, são ignoradas em um país tão machucado quanto o nosso. Trata também de temas como solidão, abandono, relações familiares, racismo, doenças mentais, alcoolismo, pedofilia, suicídio, entre outras questões que trazem à tona universos complexos, colocando no centro assuntos que frequentemente são deixados à margem. Sua visão de mundo aparece nitidamente em personagens marcados pela dor:
"Acho que o que me inquieta e que se presentifica na minha dramaturgia é a dor. Sempre escrevo sobre alguma. Minha ou da sociedade. Sempre sobre algo que machuca. De alguma forma acho que eu tento encontrar a poesia na dor de amar, de sentir, de existir, de resistir.” (Pedro Bertoldi)
Sua escritura é desenhada pela fragmentação: do tempo, do espaço, do discurso, do indivíduo. Muitas vezes não sabemos em que tempo ou lugar a personagem está, é como se isso importasse mais como afirmação de que as coisas pouco mudam, do que como necessidade de afirmar um universo fechado em si mesmo. Há em sua obra um jogo de simultaneidade temporal que desloca o eixo causa-consequência para uma estrutura de consequência-causas-aleatoriedade. O enunciador transita entre diferentes vozes, operando muitas vezes como um rapsodo que costura os pedaços, como um agente épico que transita entre o dentro e o fora da enunciação. Neste sentido, somos convidados a viajar com ele pelo universo das palavras mágicas e pelos mundos que, a cada frase, o autor vai instaurando e construindo.
Camila Bauer