Paula Lice, atriz, dramaturga, diretora e professora, graduou-se em Letras Vernáculas e Língua Estrangeira – Inglês, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mesma universidade onde seguiu carreira e estudos acadêmicos, completando seu mestrado e doutorado e lecionando como professora substituta na Escola de Dança. Hoje é professora na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Antes de escritora, Paula Lice é uma atriz, atuante no cenário profissional soteropolitano desde 1998, e parte importante dessa trajetória se deu dentro do grupo do qual fez parte durante 14 anos, o DIMENTI. Foi nesse espaço de troca e colaboração que Paula começou a experimentar seus escritos, em parceria com Jorge Alencar, que assumia a direção e dramaturgia dos espetáculos do grupo. Ainda no contexto do DIMENTI, no ano de 2004, assinou como uma das dramaturgas do espetáculo Chuá, e colaborou novamente com a dramaturgia do grupo em 2008, no espetáculo Batata, sendo este último um projeto que convidou diversos dramaturgos baianos para proporem cenas inspiradas no universo de Nelson Rodrigues.
No ano seguinte, 2009, Paula Lice estreia Miúda e o guarda-chuva, uma peça para crianças, como dramaturga e diretora. Olhar de perto para esse projeto nos mostra a relação da artista com a experimentação nas diversas mídias que se relacionam intimamente com a narrativa: Miúda e o guarda-chuva nasce como um conto da autora, torna-se uma peça de teatro no ano de 2009, mas em 2010 transforma-se em um curta de animação, realizado através da única edição do ANIMATV, e, em 2019, em um longa-metragem de animação. Todas as versões foram dirigidas e escritas por ela em parceria com Victor Cayres.
O tema da infância lhe é muito caro, e dentre sua produção autoral (pois segue escrevendo colaborativamente em processos, nos quais muitas vezes, também assume como diretora) se destaca Para o Menino Bolha, uma peça para crianças escrita, dirigida e produzida por ela. O espetáculo foi indicado ao Prêmio Braskem de Teatro 2015, nas categorias melhor direção, espetáculo infantojuvenil e texto, vencendo a última categoria. A peça também foi lançada em livro pela Coleção Dramaturgia da EDUFBA e teve uma obra derivada publicada de forma independente, o livro infantil A gilafa.
Em sua produção para crianças, Paula Lice investe muita energia em tratar de temas profundos como perda, luto, saudade, amizade e metáfora. Também se dedica a não subestimar a sua audiência, o que faz com que algumas vezes os adultos, que acompanham essa criança-público, se questionem se aquela peça em questão é “de fato para crianças”. Mas o que esses adultos não perceberam é que, generosamente e intencionalmente, essa peça também era para eles. Inclusive, em 2016, estreou em parceria com o coletivo de palhaçaria Nariz de Cogumelo o espetáculo Priscilla e o tempo das coisas (infantil para adultos).
Paula Lice se dedica a pensar a infância também nos espaços acadêmicos. Em 2014 defendeu a tese de doutorado Isso é infantil?: perspectivas, expectativas e tabus transmidiáticos a partir de Miúda e o guarda-chuva e atualmente coordena o grupo de pesquisas CRICA – Criar para Crianças: núcleo de estudos das artes e culturas da e para a infância na UFRB.
No cinema, escreveu e dirigiu em parceria com Ronei Jorge e Rodrigo Luna o documentário curta-metragem Jessy e Jéssica Cristopherry (2013), no qual realizou o sonho de ser transformista sendo amadrinhada por importantes drag queens do cenário soteropolitano e dando a sua drag o nome das personagens que vivia/inventava na infância: Jéssica Cristopherry. Além de receber inúmeros prêmios por essa iniciativa, o roteiro acabou derivando para um reality show intitulado Drag me as a queen (2018 e 2019). Em parceria com os mesmo colaboradores-amigos, escreveu e dirigiu Ridículos (2016). Um documentário longa-metragem sobre o rito de iniciação de um palhaço.
A honestidade com que Paula Lice lida e expõe temas e perspectivas que lhe são tão caras intimamente, a construção de parcerias duradouras que valorizam os vínculos afetivos que se estabelecem antes, durante e/ou depois da exposição inerente a um processo criativo, a generosidade de escuta aprendida numa trajetória de grupo e processos colaborativos, aliadas a uma incansável experimentação, fazem de seus textos uma espécie de aconchego, sem perder a criticidade que é parte de sua composição e estimulada em sua audiência.
Laís Machado