Numa das ruas do centro de São Luís do Maranhão há uma antiga casa colonial com uma singela placa, onde se lê: Pequena Companhia de Teatro. Ali é a sede do coletivo, formado há mais de 15 anos, e a casa de Marcelo Flecha, um dos nomes mais importantes do teatro maranhense. Marcelo é, sem dúvida, um homem de teatro: há décadas se dedica à dramaturgia, à encenação, à cenografia e à iluminação cênica. Argentino, naturalizado brasileiro, dirigiu mais de 30 espetáculos que já circularam por mais de 100 cidades de todos os estados do país. Foi produtor do Festival de Teatro Sul-Maranhense e da Semana Imperatrizense de Teatro, diretor artístico da Feira do Livro de São Luís e diretor técnico do Teatro Arthur Azevedo durante uma década.
Em 2010, Marcelo Flecha lançou o livro Cinco tempos em cinco textos – dramaturgia reunida, que reúne sua produção dramatúrgica escrita entre 2003 e 2009. De críticas sociais a questões existenciais, passeando pela comédia, pelo drama e pela tragédia, o dramaturgo não segue uma só linha temática ou estilística. Como apontou o diretor e pesquisador Fernando Yamamoto, na apresentação da coletânea citada: “Flecha transita por referenciais dos mais diversos; ao lermos suas obras, é inevitável passearmos pela ausência de perspectiva beckettiana, pela crueza de Plínio Marcos, pelo niilismo da incursão teatral de Pablo Picasso em seu O desejo pego pelo rabo, o distanciamento ácido brechtiano e, até mesmo, a aproximação ao teatro contemporâneo argentino – fazendo jus às suas raízes – de Daniel Veronese e seu coletivo El Periférico de Objetos. São temperos que nos fazem deleitar com um pouco da inventividade de Marcelo.”
O percurso dramatúrgico de Flecha se iniciou, de modo empírico, a partir da utilização de textos não dramáticos para a cena, processo que mais tarde ele sistematizou e chamou de “transposição de gêneros”, um sistema de adaptação literária para a linguagem teatral muito utilizado na Pequena Companhia de Teatro. Esse sistema acabou favorecendo a formação de vários outros dramaturgos pelo Brasil a partir das oficinas que o artista ministrou em mais de 30 cidades.
Para Flecha, “a dramaturgia produzida hoje é mais viva, orgânica e pouco aprisionada no papel”. Como artista da cena, Marcelo é um dramaturgo atento ao ator, ao corpo, ao gesto, ao movimento. Suas palavras convocam energias e presenças. A força de seu texto está em inquietar a bidimensionalidade do papel e provocar a tridimensionalidade da cena. A dramaturgia de Flecha, ao lado de Lauande Aires e Igor Nascimento, é uma prova de que o teatro maranhense segue vivo, apesar das imensas dificuldades socioeconômicas da região, e provocativo, para além dos estereótipos regionalistas.
Gorete Lima