Escrever para teatro é um desafio. Falas de personagens operam em torno de mil possibilidades. Sentimentos, fatos, contradições, como administrar tudo isso em meio à criação de um texto dramatúrgico? Texto que nasce como um esqueleto a ser preenchido e “almado”, ou seja, só ganhará vida, sentido e visibilidade se for encenado. Ser ação é o maior motivo para criar dramaturgias.
Poderíamos, assim, sintetizar algumas das inquietações que movem o dramaturgo Fabiano Barros ao produzir seus textos para teatro. Gestor cultural, arte educador, diretor, roteirista, com formação em Letras e Literatura, este artista e homem da cultura rondoniense já escreveu e dirigiu diversas peças teatrais levadas à cena, já foram vistas em teatros no Rio de Janeiro, São Paulo, Acre, Manaus, Paraíba, Recife e Rondônia.
Atuante e inquieto, Fabiano Barros destaca-se no cenário artístico no norte do país; nascido em Pernambuco, mas vivendo há 20 anos em Rondônia, fundou em 2001, junto com o encenador e artista de dança Francis Madson, a Cia. de Teatro Fiasco, que se dedica à pesquisa teatral a partir das mais diversas experimentações.
Sempre abordando temas contemporâneos, encenados por sua companhia de teatro, Fabiano Barros, é pesquisador rigoroso do comportamento humano e das tramas cênicas. Tece histórias que, na leveza ou densidade de suas tessituras, exigem de seus intérpretes igual profundidade, pois, para o dramaturgo, o ator é “o próprio lugar onde acontece o fenômeno teatral”. Assim, do prazer do riso ao sombrio do que provoca dor, o público deve ser levado a um mergulho profundo, envolvido por aqueles que dão vida aos conflitos vistos em cena.
Centrado nas histórias que ouve, a partir das realidades que o cercam, Fabiano Barros escreveu textos com temáticas adultas e infantis como: O dragão de Macaparana, O segredo da patroa, Já passam das oito, Memória da carne, Memória da alma, Biu, A ópera do beradeiro, As nove luas, Onde morrem os pássaros e Ave de arribação. Destacando-se por sua atuação, enquanto criador e gestor cultural, foi convidado a participar de diversas curadorias de projetos nacionais como: Palco Giratório, Prêmio Myriam Muniz, Jovens Dramaturgos, entre outros. Foi também contemplado diversas vezes em editais nacionais, acumulando prêmios e reconhecimento do público e crítica. Atualmente, pesquisa as lendas amazônidas, às quais lança um olhar humanizado e as recria em sua dramaturgia.
Artista multifacetado, Fabiano Barros também já colaborou na criação de espetáculos de dança; teve textos lidos em projeto de leituras dramáticas organizado pelo Sesc de Porto Velho; e criou em 2020, em meio à pandemia, o programa Conexão Rondônia, que consistiu numa série de transmissões pela internet, com artistas rondonienses contando suas trajetórias artísticas na cultura local – abrindo espaço também, no programa, para arrecadação de alimentos a serem distribuídos para instituições sociais.
Sempre atento às problemáticas sociais, este autor, em uma de suas obras de maior êxito, aborda o tema da pedofilia. A peça Memória d’alma tem como cenário uma cela de cadeia, local onde mãe e filho têm um acerto de contas. No decorrer da trama histórias vão sendo relembradas e, a cada ato, os personagens bordam uma teia de omissão, crueldade e abuso sexual que o menino sofreu, durante anos, pelo próprio pai.
“Rapaz – Eu só queria ser perdoado (Silêncio) − Aqui na terra não, lá com Deus. Parece que ele vivia dormindo nas horas que eu tava acordado. Eu chamava tanto, pedia tanto, igual a minha avó me ensinou, se lembra? Das rezas que ela mandava eu fazer quando eu tivesse medo? Mas adiantava não, sei lá, até parece que Deus não se importa com criança. Ficava pensando nisso, só gente grande tem a vez com Deus.”
Memória d’alma é um convite a percorrer a construção da lembrança, em meio a dor, o isolamento, as formas de amor que as personagens adotam, uma trama com carga dramática “incômoda”, ao tocar em assuntos polêmicos – como o abuso de menores. Junto a outros três textos, esta peça compõe uma série de dramaturgias, frutos da pesquisa de TCC do dramaturgo.
Assim, inquietante como suas criações para teatro, a trajetória de Fabiano Barros desenha uma rota singular, rascunhando um artista pesquisador da vida e dos palcos, com uma poética cortante, que atravessa, seja pela leveza ou densidade, àqueles que assistem às suas dramaturgias.
Bene Martins e Mailson Soares