zanny adairalba

Boa Vista - RR

Fragmento Teatral

NAZARÉ: O que você tem?

MARIA FELIPA: Por que a pergunta?

NAZARÉ: Você está calada.

MARIA FELIPA (Incomodada): Não tenho nada.

(Silêncio)

NAZARÉ: Tem certeza?

MARIA FELIPA (Mais suave): Não tenho nada além dessa gastura por falta de ação. (Olhando para o mar) Desde que avistamos as embarcações... (Suspiros) Nada foi feito. Nada foi dito. E eu simplesmente não consigo ficar parada aqui, aguardando alguma ordem para agirmos.

NAZARÉ: Mas, Maria... Eles sabem o que estão fazendo. E a nós, cabe esperar.

MARIA FELIPA: Não, Felipa. Não aceito que seja dessa forma. Estamos falando de 42 embarcações lusitanas ancoradas nas imediações da Ilha de Itaparica aguardando ordens para invadir Salvador e reprimir as ações pela independência baiana. Eu não consigo ficar aqui parada, aguardando ordens.

NAZARÉ: Mas... Você já fez tanto desde que tudo isso começou, Maria.

MARIA FELIPA (Voltando-se para Nazaré): Fizemos, minha amiga. Fizemos! Mas agora... Mais que nunca... Precisamos fazer mais. (Silêncio) Minha amiga... Eles sabem, sim, o que estão fazendo. Mas nós... Nós também sabemos! E eu... Eu não posso mais ficar na retaguarda, entende? (Respirando fundo) Nós não podemos! Não desta vez! (Silêncio) Você sabe... As coisas estão acontecendo muito rápido... Precisamos agir. Todos nós!

NAZARÉ (Preocupada. Esticando o corpo. Levando a mão direita sobre os olhos na direção das embarcações portuguesas): As embarcações... (Lamentando) Elas estão tão próximas da ilha.

MARIA FELIPA (Com raiva): Sim! Próximas demais! (Com ares de bravura) Não podemos ficar aqui, paradas.

NAZARÉ: E o que você tem em mente?

MARIA FELIPA (Com ar ameaçador): Algumas inesquecíveis surpresas para estes invasores, minha amiga tupinambá. (Risos)

NAZARÉ: Então... Vamos reunir os outros e colocar o plano em ação. 

(Maria repousa o cesto no chão e, esticando o corpo, olha atentamente para o mar. Silêncio.)

MARIA FELIPA (Suspirando com ar de preocupação): Isso mesmo. Precisamos nos preparar para recebê-los. Ou melhor... Para expulsá-los. Vamos partir para o combate! 

(Nazaré aproxima-se de Maria Felipa, olhando para o horizonte. Segura a mão da amiga).

NAZARÉ: Estaremos juntas, minha amiga! Todos nós! Como sempre estivemos!

MARIA FELIPA (Olhando fixamente para Nazaré): Como sempre estivemos!

(Tambores africanos. Ambas olham para o horizonte com ar imponente. As luzes diminuem devagar. Palco escuro. Voz de Vó Béa.)

VÓ BÉA: E foi assim que nossa heroína Maria Felipa organizou um audacioso plano de guerrilha e liderou um grupo de quase 200 pessoas contra as tropas e embarcações portuguesas que se encontravam próximas à ilha de Itaparica.

(Luzes acendem devagar. Sala continua na penumbra.)

(Música. Canhões de luzes acompanham os personagens que atravessam o palco em marcha, seguindo a narrativa da vó Béa. Os personagens (homens e mulheres) representam os “ganhadeiros”: pescadores que atravessam o palco com anzóis e redes de pesca, escravos libertos, índios caracterizados, marisqueiros carregando cestos de palha e outro com bandejas de pão e quitutes.)

VÓ BÉA: Eram homens e mulheres... Negros... Índios tupinambás e tapuias... Brancos... Caboclos... Mulatos... Todos filhos da Bahia. Todos unidos em defesa da nação brasileira.

(Luzes apagam devagar.)

(Fragmento de Maria Felipa de Oliveira – A heroína negra da independência do Brasil)

Zanny Adairalba é dramaturga, compositora e poeta.

ouça a entrevista:

Apresentação Critica

Zanny Adairalba é poeta, compositora, dramaturga, mestre da cultura popular, autora de oito obras literárias, além de peças teatrais e livretos de cordel que abordam temas variados. Zanny acumula, em seu currículo, diversos prêmios por seus trabalhos literários e musicais. Em 1992, deixou Pernambuco para residir em Roraima, onde desenvolve, desde 2009, trabalhos de incentivo à leitura e à literatura, junto ao Coletivo Caimbé, (www.caimbe.blogspot.com.br), organização social informal sediada em Boa Vista. Um dos objetivos do coletivo é fomentar a cidadania por meio da literatura como fonte principal. O trabalho desenvolve-se em várias frentes, entre suas ações destacam-se palestras, saraus e oficinas literárias em feiras, escolas, teatros, centros culturais, praças públicas. O grupo já atuou em 11 estados brasileiros, incluindo comunidades indígenas e ribeirinhas.

No segmento musical, Zanny possui mais de 50 canções folclóricas autorais gravadas pelo Movimento Quadrilheiro de Roraima, além de diversas composições premiadas em festivais e mostras de música do estado. Em 2003, produziu, em parceria com o comunicador Chiquinho Santos, o 1º auto de Natal de Roraima. O texto cordelizado, intitulado Caimbé de Natal – O auto de Macunaíma, foi encenado por três anos consecutivos em igrejas e praças públicas durante os festejos natalinos promovidos pela Prefeitura de Boa Vista, com participação de músicos, diretores e atores locais.

Em 2015, foi premiada com o 1º lugar pelo projeto internacional de dramaturgia feminina La Escritura de las Diferencias – Capítulo Brasil, com a peça Chegança – O cordel do bem querer. Esta comédia romântica escrita em três atos, destinada ao público infanto-juvenil, lhe rendeu também um convite para participação no evento de publicação de coletânea produzida em Havana, Cuba.

No ano de 2017, recebeu do Ministério da Cultura o título de Mestra da Cultura Popular, como reconhecimento ao trabalho voltado para o fomento da literatura de cordel no estado de Roraima, difundindo os saberes e fazeres desta arte para além dos limites de suas comunidades de origem e contribuindo, desse modo, para sua continuidade. Em 2019, recebeu da Universidade Federal de Roraima troféu e certificado de Menção Honrosa, em reconhecimento às relevantes ações desenvolvidas no campo da cultura.

 Assim, seguindo uma trajetória incansável e comprometida com a arte e as questões sócio-histórica-culturais, Zanny Adairalba faz jus ao reconhecimento do público e crítica, além de ser um incentivo para novas gerações. Em 2021, a autora foi agraciada por mais uma conquista no campo da dramaturgia, foi uma das ganhadoras do Prêmio Funarte de Dramaturgia – 200 Anos de Artes no Brasil. O prêmio busca estimular a literatura de gênero teatral. Os textos concorrentes abordaram a temática da arte no âmbito do bicentenário da independência do Brasil (1822-2022). O prêmio foi dividido nas categorias Adulto e Teatro para a infância e juventude, com três premiações em cada por região, totalizando 30 peças inéditas. Zanny obteve o terceiro lugar da região Norte, na categoria Teatro para a infância e juventude. Todas as obras selecionadas serão publicadas em um e-book pela Funarte.

O texto de Zanny, Maria Felipa de Oliveira – A heroína negra da independência do Brasil, aborda a história de uma personagem real que organizou e colaborou, ativamente, em confrontos militares no estado da Bahia durante o período de consolidação da independência do Brasil. Segundo a autora, o trabalho de Maria Felipa, “guerreira brasileira e negra, que teve sua participação na luta pela independência quase que completamente apagada dos registros históricos do nosso país”, precisava ser ressaltado e homenageado.

MARIA FELIPA (Voltando-se para Nazaré): Fizemos, minha amiga. Fizemos! Mas agora... Mais que nunca... Precisamos fazer mais. (Silêncio).  Minha amiga... Eles sabem, sim, o que estão fazendo. Mas nós... Nós também sabemos! E eu... Eu não posso mais ficar na retaguarda, entende? (Respirando fundo). Nós não podemos! Não desta vez!  (Silêncio). Você sabe... As coisas estão acontecendo muito rápido... Precisamos agir. Todos nós!”

Maria Felipa de Oliveira, marisqueira e capoeirista da Ilha de Itaparica, na Bahia, foi considerada um símbolo da resistência, durante o período de independência do Brasil. Até hoje não há registros se foi alforriada, liberta ou se já nasceu livre. Felipa liderou um grupo de mulheres, denominado vedetas (vigias) da praia, entre os anos de 1822 e 1823. Suas armas eram peixeiras e plantas de cansação (planta que provoca coceira e ardência extrema em contato com a pele). Conta-se que, apenas com isso, ela derrotou soldados portugueses, destruindo inclusive suas embarcações.

Zanny Adairalba é “arteira”, seu olhar criador vai fundo na alma do povo brasileiro. A alegria de suas obras contrasta com a fina crítica social presente em suas linhas dramatúrgicas. Atuante na vida e na arte, imprime seu nome entre aquelas que vivem, poética e intensamente, o fazer cênico.

Bene Martins e Mailson Soares

Zanny Adairalba é dramaturga, compositora e poeta.

Zanny Adairalba é poeta, compositora, dramaturga, mestre da cultura popular, autora de oito obras literárias, além de peças teatrais e livretos de cordel que abordam temas variados. Zanny acumula, em seu currículo, diversos prêmios por seus trabalhos literários e musicais. Em 1992, deixou Pernambuco para residir em Roraima, onde desenvolve, desde 2009, trabalhos de incentivo à leitura e à literatura, junto ao Coletivo Caimbé, (www.caimbe.blogspot.com.br), organização social informal sediada em Boa Vista. Um dos objetivos do coletivo é fomentar a cidadania por meio da literatura como fonte principal. O trabalho desenvolve-se em várias frentes, entre suas ações destacam-se palestras, saraus e oficinas literárias em feiras, escolas, teatros, centros culturais, praças públicas. O grupo já atuou em 11 estados brasileiros, incluindo comunidades indígenas e ribeirinhas.

No segmento musical, Zanny possui mais de 50 canções folclóricas autorais gravadas pelo Movimento Quadrilheiro de Roraima, além de diversas composições premiadas em festivais e mostras de música do estado. Em 2003, produziu, em parceria com o comunicador Chiquinho Santos, o 1º auto de Natal de Roraima. O texto cordelizado, intitulado Caimbé de Natal – O auto de Macunaíma, foi encenado por três anos consecutivos em igrejas e praças públicas durante os festejos natalinos promovidos pela Prefeitura de Boa Vista, com participação de músicos, diretores e atores locais.

Em 2015, foi premiada com o 1º lugar pelo projeto internacional de dramaturgia feminina La Escritura de las Diferencias – Capítulo Brasil, com a peça Chegança – O cordel do bem querer. Esta comédia romântica escrita em três atos, destinada ao público infanto-juvenil, lhe rendeu também um convite para participação no evento de publicação de coletânea produzida em Havana, Cuba.

No ano de 2017, recebeu do Ministério da Cultura o título de Mestra da Cultura Popular, como reconhecimento ao trabalho voltado para o fomento da literatura de cordel no estado de Roraima, difundindo os saberes e fazeres desta arte para além dos limites de suas comunidades de origem e contribuindo, desse modo, para sua continuidade. Em 2019, recebeu da Universidade Federal de Roraima troféu e certificado de Menção Honrosa, em reconhecimento às relevantes ações desenvolvidas no campo da cultura.

 Assim, seguindo uma trajetória incansável e comprometida com a arte e as questões sócio-histórica-culturais, Zanny Adairalba faz jus ao reconhecimento do público e crítica, além de ser um incentivo para novas gerações. Em 2021, a autora foi agraciada por mais uma conquista no campo da dramaturgia, foi uma das ganhadoras do Prêmio Funarte de Dramaturgia – 200 Anos de Artes no Brasil. O prêmio busca estimular a literatura de gênero teatral. Os textos concorrentes abordaram a temática da arte no âmbito do bicentenário da independência do Brasil (1822-2022). O prêmio foi dividido nas categorias Adulto e Teatro para a infância e juventude, com três premiações em cada por região, totalizando 30 peças inéditas. Zanny obteve o terceiro lugar da região Norte, na categoria Teatro para a infância e juventude. Todas as obras selecionadas serão publicadas em um e-book pela Funarte.

O texto de Zanny, Maria Felipa de Oliveira – A heroína negra da independência do Brasil, aborda a história de uma personagem real que organizou e colaborou, ativamente, em confrontos militares no estado da Bahia durante o período de consolidação da independência do Brasil. Segundo a autora, o trabalho de Maria Felipa, “guerreira brasileira e negra, que teve sua participação na luta pela independência quase que completamente apagada dos registros históricos do nosso país”, precisava ser ressaltado e homenageado.

MARIA FELIPA (Voltando-se para Nazaré): Fizemos, minha amiga. Fizemos! Mas agora... Mais que nunca... Precisamos fazer mais. (Silêncio).  Minha amiga... Eles sabem, sim, o que estão fazendo. Mas nós... Nós também sabemos! E eu... Eu não posso mais ficar na retaguarda, entende? (Respirando fundo). Nós não podemos! Não desta vez!  (Silêncio). Você sabe... As coisas estão acontecendo muito rápido... Precisamos agir. Todos nós!”

Maria Felipa de Oliveira, marisqueira e capoeirista da Ilha de Itaparica, na Bahia, foi considerada um símbolo da resistência, durante o período de independência do Brasil. Até hoje não há registros se foi alforriada, liberta ou se já nasceu livre. Felipa liderou um grupo de mulheres, denominado vedetas (vigias) da praia, entre os anos de 1822 e 1823. Suas armas eram peixeiras e plantas de cansação (planta que provoca coceira e ardência extrema em contato com a pele). Conta-se que, apenas com isso, ela derrotou soldados portugueses, destruindo inclusive suas embarcações.

Zanny Adairalba é “arteira”, seu olhar criador vai fundo na alma do povo brasileiro. A alegria de suas obras contrasta com a fina crítica social presente em suas linhas dramatúrgicas. Atuante na vida e na arte, imprime seu nome entre aquelas que vivem, poética e intensamente, o fazer cênico.

Bene Martins e Mailson Soares

NAZARÉ: O que você tem?

MARIA FELIPA: Por que a pergunta?

NAZARÉ: Você está calada.

MARIA FELIPA (Incomodada): Não tenho nada.

(Silêncio)

NAZARÉ: Tem certeza?

MARIA FELIPA (Mais suave): Não tenho nada além dessa gastura por falta de ação. (Olhando para o mar) Desde que avistamos as embarcações... (Suspiros) Nada foi feito. Nada foi dito. E eu simplesmente não consigo ficar parada aqui, aguardando alguma ordem para agirmos.

NAZARÉ: Mas, Maria... Eles sabem o que estão fazendo. E a nós, cabe esperar.

MARIA FELIPA: Não, Felipa. Não aceito que seja dessa forma. Estamos falando de 42 embarcações lusitanas ancoradas nas imediações da Ilha de Itaparica aguardando ordens para invadir Salvador e reprimir as ações pela independência baiana. Eu não consigo ficar aqui parada, aguardando ordens.

NAZARÉ: Mas... Você já fez tanto desde que tudo isso começou, Maria.

MARIA FELIPA (Voltando-se para Nazaré): Fizemos, minha amiga. Fizemos! Mas agora... Mais que nunca... Precisamos fazer mais. (Silêncio) Minha amiga... Eles sabem, sim, o que estão fazendo. Mas nós... Nós também sabemos! E eu... Eu não posso mais ficar na retaguarda, entende? (Respirando fundo) Nós não podemos! Não desta vez! (Silêncio) Você sabe... As coisas estão acontecendo muito rápido... Precisamos agir. Todos nós!

NAZARÉ (Preocupada. Esticando o corpo. Levando a mão direita sobre os olhos na direção das embarcações portuguesas): As embarcações... (Lamentando) Elas estão tão próximas da ilha.

MARIA FELIPA (Com raiva): Sim! Próximas demais! (Com ares de bravura) Não podemos ficar aqui, paradas.

NAZARÉ: E o que você tem em mente?

MARIA FELIPA (Com ar ameaçador): Algumas inesquecíveis surpresas para estes invasores, minha amiga tupinambá. (Risos)

NAZARÉ: Então... Vamos reunir os outros e colocar o plano em ação. 

(Maria repousa o cesto no chão e, esticando o corpo, olha atentamente para o mar. Silêncio.)

MARIA FELIPA (Suspirando com ar de preocupação): Isso mesmo. Precisamos nos preparar para recebê-los. Ou melhor... Para expulsá-los. Vamos partir para o combate! 

(Nazaré aproxima-se de Maria Felipa, olhando para o horizonte. Segura a mão da amiga).

NAZARÉ: Estaremos juntas, minha amiga! Todos nós! Como sempre estivemos!

MARIA FELIPA (Olhando fixamente para Nazaré): Como sempre estivemos!

(Tambores africanos. Ambas olham para o horizonte com ar imponente. As luzes diminuem devagar. Palco escuro. Voz de Vó Béa.)

VÓ BÉA: E foi assim que nossa heroína Maria Felipa organizou um audacioso plano de guerrilha e liderou um grupo de quase 200 pessoas contra as tropas e embarcações portuguesas que se encontravam próximas à ilha de Itaparica.

(Luzes acendem devagar. Sala continua na penumbra.)

(Música. Canhões de luzes acompanham os personagens que atravessam o palco em marcha, seguindo a narrativa da vó Béa. Os personagens (homens e mulheres) representam os “ganhadeiros”: pescadores que atravessam o palco com anzóis e redes de pesca, escravos libertos, índios caracterizados, marisqueiros carregando cestos de palha e outro com bandejas de pão e quitutes.)

VÓ BÉA: Eram homens e mulheres... Negros... Índios tupinambás e tapuias... Brancos... Caboclos... Mulatos... Todos filhos da Bahia. Todos unidos em defesa da nação brasileira.

(Luzes apagam devagar.)

(Fragmento de Maria Felipa de Oliveira – A heroína negra da independência do Brasil)