Um dos fundadores do grupo Teatro Faces, Wanderson Lana figura uma atuação importante na consolidação da cena teatral em Primavera do Leste, no Mato Grosso. Com o grupo, formado em 2005, desenvolve suas criações a partir da pesquisa sobre a morte e seus desencadeamentos em trabalhos para a infância e juventude e para o público adulto.
Ator, poeta, diretor, roteirista, dramaturgo e criador do Núcleo de dramaturgia para infância e dramaturgia para juventude em Primavera do Leste. A atuação de Wanderson vai além das práticas do fazer teatral, se desdobrando nos eixos do pensamento, da pesquisa, da formação e das políticas públicas para a cultura. Nesse sentido, foi também um dos idealizadores do projeto para abertura e constituição da Secretaria de Cultura, Turismo, Lazer e Juventude de Primavera do Leste, na qual desempenha a função de secretário de 2015 até hoje.
Sua dramaturgia é marcada pela investigação que permeia por duas perspectivas: a tragédia para a infância e juventude, e o território. Com a intenção de romper com a ideia de didatismo em trabalhos para a infância e juventude, Wanderson vem construindo propostas para dialogar com esses públicos, adentrando em temas que, à primeira vista [ao menos para os adultos(as)], são considerados complexos, como a morte, a perda, a decepção. E, isso, de algum modo, atrelado aos sentidos e fricções que podem emergir do próprio território, do lugar de origem, das suas vivências. Somando, assim, mais de 20 textos escritos para todos os públicos, entre dramaturgia e literatura.
Em 2008, escreveu O menino e o céu, montado pelo Teatro Faces, em 2009. O espetáculo recebeu o Prêmio Myriam Muniz em 2011 e circulou por várias cidades por meio do Projeto Amazônia das Artes do SESC. Na sinopse diz que se trata da “história de um menino e seu jumento pelo sertão nordestino em busca do sonho de poder voar para pedir às nuvens para voltar a chover. No caminho encontram um sapo que não pode mais pular, um camaleão com mania de perseguição, um urubu cheio de maldades e duas asas brancas que vão ensiná-lo que para voar é preciso apenas de um grande sonho”.
O protagonista é um menino, uma criança, que, em um período de muita seca no lugar onde vive, entra numa jornada rumo ao rio São Francisco em busca de água. Outro desejo do menino é encontrar um pássaro que o ensine a voar. Dentre as diversas peripécias e intempéries, de forma lúdica, poética e com uma linguagem bem coloquial, Wanderson nos provoca a refletir sobre a morte. O menino perde a vida antes que consiga encontrar a resolução para o problema da seca, mas quando encontra o céu, cai uma chuva que mata a sede de todos. Além do aspecto trágico e da morte como um possível recomeço, quebra a expectativa da narrativa comum e de um desfecho feliz aos moldes dos contos fabulares. E, através da morte do menino-herói, ainda se desvela camadas da relação com a terra, com o solo, com a água e as histórias de muitas pessoas que migram por conta da seca e em busca de uma “vida melhor” – Mato Grosso tem em sua história de formação os fluxos migratórios de brasileiros de outras regiões em busca de trabalho.
O menino e o céu pode ser considerado como um aprofundamento na pesquisa sobre elementos do trágico na dramaturgia para a infância. E que resulta também na sua pesquisa de mestrado intitulada Decepção, perda e sofrimento: a morte e a tragédia no texto "O menino e o Céu" do Teatro Faces, defendida em 2014 no Programa de Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso. No seu percurso acadêmico, cursou graduação em História e especialização em História da América Latina Contemporânea. No doutorado, também em Estudos da Cultura Contemporânea, concluído em 2021, refletiu sobre territorialidade e dramaturgia mestiça nos processos de criação dos espetáculos Boé ou Red Appropriation, do Teatro Faces, e Contra-flecha, do Teatro Experimental de Alta Floresta.
Com o texto Ensaio sobre a verdade, recebeu o Prêmio Funarte de Dramaturgia em 2018, na categoria de texto para público adulto. Na peça, encenada pelo Teatro Faces – na qual Wanderson também está em cena como ator –, dois personagens, pai e filho, vivem uma espécie de jogo de tensões entre possíveis verdades sobre uma matança de bois. Não sabemos o que é verdade e o que não é. Se os bois foram mortos de fato, e se realmente eram bois. O cenário é uma casa numa fazenda no interior do Mato Grosso, um ambiente com certa hostilidade. Uma mistura de sentimentos, entre raiva, medo, angústia, permeia essa relação de pai e filho em meio à iminência de um possível acontecimento trágico. Coloca em cena, mais uma vez, a terra, o boi, o território do cerrado.
É a partir dessa linha de pensamento de dramaturgia mestiça e da pesquisa com os elementos da tragédia, seja nos trabalhos para a infância e juventude, seja para adultas(as), que Wanderson conduz seus procedimentos de escrita dramatúrgica. Reforça a discussão de produzir uma dramaturgia atravessada por vivências e nos entrecruzamentos de hibridações culturais e territorialidades, inclusive para deslocar e afirmar seu lugar de fala e de atuação. Por esse caminho Wanderson se constitui e se reconhece como um artista e dramaturgo que produz no interior do Mato Grosso, no interior do Brasil. E faz questão de colocar em pauta, amparado pelas noções de decolonialismo, a importância de descentralizar o olhar para as produções feitas fora dos considerados grandes eixos culturais do país.
Carin Louro