Goiano radicado em Mato Grosso, atuante em Cuiabá e Chapada dos Guimarães, Túlio Paniago é bacharel em Comunicação Social, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), tecnólogo em Teatro com ênfase em Dramaturgia, pela MT Escola de Teatro (UNEMAT), e tem formação livre em Roteiro, pela Academia Internacional de Cinema (AIC-SP). Começou seu percurso com a escrita a partir do seu trabalho como jornalista e as histórias que surgiam das notícias, de histórias reais. Passou então a se interessar pelas experimentações de ficcionalização dos fatos que se desdobram nas modalidades de escrita de contos, poemas, roteiros e dramaturgias.
Durante o curso de Teatro, na MT Escola de Teatro, participou da criação do grupo Núcleo 3, com o qual ainda desenvolve parcerias nos processos de criação cênica em Cuiabá. Embora sua relação com a escrita dramatúrgica seja recente, de 2019 para cá escreveu uma série de dramaturgias em sequência, quase todas encenadas pelo Núcleo 3: In-cômodo (2019), A cerca de nós (2019), Nossa batata tá assando (2019), O quinto (2020), Depois do fim do mundo vem sempre outro dia (2020) e Exóticus (2020).
Na sua primeira obra, In-cômodo, Túlio constrói uma trama na qual cinco personagens estão enclausurados em cômodos estranhos e se veem obrigados a compartilhar suas histórias, intimidades e os seus incômodos. Nesse enclausuramento, Túlio nos coloca diante de personagens com perspectivas de pensamento e de visão de vida distintos: uma palhaça sem graça, um militar que é fanático religioso e conservador, uma mulher com doutorado, que foi a primeira astronauta a pisar na lua, um corcunda que tem dificuldades de se expressar verbalmente, e uma menina introspectiva, de poucas palavras. Uma espécie de comédia dramática que reflete a realidade da nossa sociedade contemporânea, as polaridades de pensamentos e posicionamentos sociais, políticos e existenciais.
Em Depois do fim do mundo vem sempre um outro dia, que recebeu o Prêmio MT Artes, constrói-se uma distopia que se passa em 2999, numa situação em que a Terra já havia ficado imprópria para a existência humana há séculos. Um astronauta, que também é performer, faz a viagem de volta para a Terra com a missão de descobrir se o ar voltou a ser respirável. A interlocução da narrativa é feita pelas personagens nomeadas Curadores, identificados por números, que são responsáveis pela curadoria e organização de uma exposição virtual, que tem como evento principal transmitir a performance de chegada do astronauta-performer na Terra; e a Voz do Google, completamente evoluída, empoderada e com missão de exterminar toda a existência humana provocadora das destruições no planeta. O personagem MC Canino – sua aparição é em formato de vídeo, como indicado na rubrica – arremata a história, sendo um animal antropomorfizado que traz um manifesto em forma de rap sobre a importância dos animais para a existência humana. Uma obra que apresenta pontos de vista sobre a humanidade e sobre a função da arte.
Em 2020, o dramaturgo foi selecionado para participar do Festival Dramaturgias em Tempos de Isolamento, organizado pelo grupo Os Satyros. Nessa empreitada, além de Túlio, foram selecionados outros onze nomes da dramaturgia brasileira para criarem espetáculos inéditos para compor a programação. Com o mote de ser o único representante de Mato Grosso, criou junto com o grupo Núcleo 3 a obra Exóticus, que traz provocações e desconstruções sobre estereótipos regionais e culturais. Dividido em cenas, sem distinção entre personagens, as falas trazem as percepções para desconstruir a ideia de que, fora dos grandes centros, das grandes cidades, o que se produz é considerado exótico ou excêntrico, reforçando uma visão genérica, estereotipada. Assim, chama atenção para a importância da diversidade da cultura produzida na grande extensão do país, através de referências a músicas e danças regionais, como o rasqueado, o siriri, o cururu, ao poeta Manoel de Barros, às capivaras e às destruições ambientais advindas da agropecuária. O que, imediatamente, me faz lembrar, nessa mesma dimensão decolonialista, o espetáculo A invenção do Nordeste (2017), do Grupo Carmin de Natal, Rio Grande do Norte, com dramaturgia de Henrique Fontes e Pablo Capistrano. E, em outra instância, a memorável performance Two Undiscovered Amerindians Visit the West (1992), de Coco Fusco e Guillermo Gomez Peña, com a crítica à exotização ameríndia e ao “descobrimento” da América.
Por meio desse olhar transversal para a sociedade de hoje, Túlio investiga as profundidades dos acontecimentos e assuntos que nos atravessam diariamente, como política, meio ambiente e cultura. Mais do que nos apresentar um retrato da nossa sociedade, pulveriza reflexões críticas sobre uma atualidade repleta de problemáticas. Isso através de uma proposta dramatúrgica balizada pelo teatro político, em suas temáticas, e contemporâneo, no sentido de não se centrar numa estrutura dramática, mas de fazer uso de jogos temporais, distopias e desconstrução de personagens tradicionais. Uma pesquisa que aparece também nos seus poemas reunidos no livro Distopoesia pós-apocalírica, publicado em 2021, pela editora Brilho Coletivo.
Carin Louro