suely rodrigues

Porto Velho - RO

Fragmento Teatral

M 2 – Quando eu fui para o hospital, de lá informaram à polícia que prenderam ele em flagrante.

M 1 – Hum! Entendi.

M 4 – Mas se ele tá preso, por que ela está aqui?

M 2 – Ele acha que fui eu que denunciei. Me ameaçou de morte na frente de todo mundo, inclusive da polícia. Ele não tava num dia muito bom.

M 3 – E você ainda defende ele... É muito amor mesmo.

M 1 – No caso dela não precisava representar, porque é uma ação pública.

M 4 – Falou a doutora adevogada.

M 2 – Ele ainda vai se recuperar, tenho muita fé nisso. Vocês vão ver, nós ainda vamos ser muito felizes.

M 4 – Sei não.

(MÚSICA 4 – Movimentação a cargo da direção.)

M 3 – Meu nome é Maria. Nasci ali na beira do rio. Pai e mãe trabalhava na roça. Nós era cinco filho e eu era a mais velha. Tinha mais uma irmã e os outros três era macho. Nós nascemo e se criemo na beira do rio. À noitinha a gente se sentava na frente da casa pra prosear. Ouvi os casos dos outro morador, as lenda... E como nós tinha medo de certas coisa! Eu morria de medo era de Boto. Tinha medo que um dia ele viesse, me pegasse e quando fosse embora eu ficasse barriguda. Meu tio tinha um carinho muito grande por todos nós. Principalmente por mim. As veiz eu ficava sem graça quando ele botava a mão por baixo do meu vestido e ficava mexendo comigo. Ele dizia que era um carinhozinho de tio, mas não era pra eu contar pra ninguém. Meus irmão poderia ter ciúmes, porque eu era a predileta. Um dia, eu tava tomando banho no rio e ele chegou. Mas quando ele tirou toda a roupa e ficou nu, eu gritei. Ele entrou no rio, tampou a minha boca e disse pra eu me acalmá. Me disse que como eu já estava ficando mocinha tinha que me protegê e daquele jeito ele assustava o Boto. Dizia: “Você não precisa ter medo.” E me abraçava e me alisava o corpo que tava tremendo. Ele dizia que ia me defender. Eu ficava assustada, chorando. Me dava uma coisa esquisita, mas abraçava. Ele ia me defender.

M 2(Gritando com dor.) Ai! Ai!

M 5(Tentando ajudar M 2, busca um copo com água.)

M 1(Se preocupando e dando assistência.)

M 4(Olhando a cena de longe.)

M 3(Fica preocupada sem saber o que fazer.)

M 1 – Tenha calma.

M 3 – Respire devagar.

M 2 – Ai! Dói muito.

M 3 – Acho melhor a gente chamar um médico.

M 2 – Vou perder meu filho!

M 1 – Calma, respire fundo. Abane ela aqui.

M 5(Abanando com um pano.)

M 4 – Mas é muita frescura.

M 1 – Ligue pra ela não.

M 4 – Eu conheço essa viadage. Essa patricinha faz tudo pra chamar a atenção.

M 1 – Cala a tua boca. Se não pode ajudar não piora.

M 5(Fica resmungando com raiva.)

M 4 – Que foi mudinha? O que tu tá olhando?

M 3 – Não fale assim. Ela tá com dor. Veja você, deve ter sentido muita dor também (se
referindo aos cortes nos braços.)

M 4 – Não é da sua conta.

M 1 – (Para M5.) Vamos colocar ela aqui num canto.

M 3 – Ela tá grávida.

M 4 – E tu também não tá?

M 3 – Eu? Que ideia?

M 4 – Eu vi quando você tava vomitando escondida. É gravidez, sim.

M 3 – Deve ter sido alguma coisa que eu comi.

M 4 – Comida? Sei. Com certeza foi comida.

M 3 – Por favor, não fale alto.

M 4 – Ah! Sabia que tava certa.

M 3 – Não queria que ninguém soubesse.

M 4 – Quem é o pai?

M 3 – Que pai?

(Fragmento de Maria.com)

Suely Rodrigues é diretora, iluminadora, atriz, produtora, palhaça, dramaturga e figurinista. Fundadora da Associação Cultural Raízes do Porto – Grupo Raízes do Porto.

Apresentação Critica

Nascida na cidade de Garanhuns, em Pernambuco, Suely Rodrigues desde a infância, segundo ela mesma conta, já divertia a família com suas peripécias de criança. Alegre e serelepe, organizava com os primos pequenas cenas, apresentadas nos encontros familiares nos finais de semana ou feriados. Algo que continuou na escola, incentivada pela mãe professora, ainda que insegura quanto à carreira de atriz que a filha queria seguir, permitia e a entusiasmava a fazer o que tanto gostava: teatro. E da escola para a vizinhança, a menina empolgava-se encenando um texto cômico escrito pela mãe, enquanto conquistava a gargalhada do público.  

Assim nascia a atriz, como também a palhaça, diretora de teatro e dramaturga, funções que Suely Rodrigues exerce concomitantemente com excelência. De modo que o riso, a graça, a palhaçaria, o lúdico seriam elementos caraterísticos de sua dramaturgia. Está na essência desta artista a magia circense, o divertimento, o encantamento pelo brincar, o despojamento da alma de quem faz a criança sorrir. Quando passou a residir em Rondônia, carregou consigo a alegria e o amor pelo teatro. Atuando na capital Porto Velho há quase 30 anos, a autora dirige, escreve e produz dramaturgia vinculada ao grupo Raízes do Porto, do qual é fundadora. Porém, não restringe suas atividades a esta companhia cênica, trabalha junto a outros grupos e artistas, além de realizar solos com sua palhaça Teteia.

Desse modo, quando esta criadora cênica se volta especificamente para as linhas dramatúrgicas, os múltiplos fazeres que desempenha na área teatral imprimem, na mesma medida, apuramento técnico e emoção às suas peças. Assim, à frente de seu grupo de teatro, Suely Rodrigues conquistou respeito e admiração do público e da crítica, participando de festivais e ganhando prêmios e editais concorridos, a nível regional e nacional. 

Com produção dramatúrgica apurada, textos com linguagem clara e inteligente, sua escrita cênica volta-se notoriamente para a comédia, por mais que não sejam conceituadas nesta forma dramática, a comicidade estará de algum modo presente em suas criações. Com destaque para peças destinadas ao público infantil e infantojuvenil, seus personagens são crianças, mitos da Amazônia, homens e mulheres do cotidiano, que poderiam ser encontradas no interior ou nas ruas das grandes cidades do país, figuras análogas às personagens de folguedos, brinquedos – sinônimo de manifestações folclóricas que mesclam dança, teatro e música, a exemplo do Cavalo-Marinho, típico da Zona da Mata Norte de Pernambuco – personagens oriundos da cultura de raiz popular (maracatu, boi-bumbá, festa junina). 

Dentre as suas obras ressaltamos: Eu, Vocês e Eles, Minhoca na Cabeça, Histórias do Sítio, Mateus e Zulmira, Porções e Magias (adaptação das poesias de Nilza Menezes), Maria.com e Rosael, o boto cor de rosa. Como diretora, é válido destacar as montagens de Tira a canga do boi, de Marcos Freitas; Confidências de um espermatozoide careca, de Carlos Eduardo Novaes; A formiga fofoqueira, de Carlos Nobre; Flicts, a cor, de Aderbal Júnior, Os saltimbancos, de Chico Buarque de Holanda, e Frei Molambo, de Lourdes Ramalho.

Maria.com é um dos poucos textos de Suely Rodrigues em que a comicidade não está presente, por isso mesmo chama atenção dentre suas peças. Selecionamos um trecho desta obra para enfatizar a capacidade criativa, o profissionalismo e o comprometimento social da autora. A violência contra a mulher é a temática desta dramaturgia: uma das personagens Maria, atordoada, confusa, narra a dor da abusiva iniciação sexual imposta pelo seu tio. 

Resultado de pesquisa realizada junto a mulheres de várias classes sociais de Porto Velho que sofreram e/ou sofrem com diversos tipos de violência, a peça foi contemplada em 2010 com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz e cumpriu uma agenda de apresentações em lugares alternativos, como o Presídio Feminino da capital de Rondônia. Assim, Suely Rodrigues tem construído uma carreira como mulher do teatro que se dedica à escrita e à criação cênica. Ela é uma figura de resistência que, ao longo dos anos, do riso inocente da infância à denúncia social comprometida, elabora textos que merecem ser lidos, divulgados e encenados por aqueles que, igualmente a esta criadora, encontram na arte teatral lugar de reflexão, contestação, denúncia, divertimento e sentido de vida. 

Bene Martins e Mailson Soares

Suely Rodrigues é diretora, iluminadora, atriz, produtora, palhaça, dramaturga e figurinista. Fundadora da Associação Cultural Raízes do Porto – Grupo Raízes do Porto.

Nascida na cidade de Garanhuns, em Pernambuco, Suely Rodrigues desde a infância, segundo ela mesma conta, já divertia a família com suas peripécias de criança. Alegre e serelepe, organizava com os primos pequenas cenas, apresentadas nos encontros familiares nos finais de semana ou feriados. Algo que continuou na escola, incentivada pela mãe professora, ainda que insegura quanto à carreira de atriz que a filha queria seguir, permitia e a entusiasmava a fazer o que tanto gostava: teatro. E da escola para a vizinhança, a menina empolgava-se encenando um texto cômico escrito pela mãe, enquanto conquistava a gargalhada do público.  

Assim nascia a atriz, como também a palhaça, diretora de teatro e dramaturga, funções que Suely Rodrigues exerce concomitantemente com excelência. De modo que o riso, a graça, a palhaçaria, o lúdico seriam elementos caraterísticos de sua dramaturgia. Está na essência desta artista a magia circense, o divertimento, o encantamento pelo brincar, o despojamento da alma de quem faz a criança sorrir. Quando passou a residir em Rondônia, carregou consigo a alegria e o amor pelo teatro. Atuando na capital Porto Velho há quase 30 anos, a autora dirige, escreve e produz dramaturgia vinculada ao grupo Raízes do Porto, do qual é fundadora. Porém, não restringe suas atividades a esta companhia cênica, trabalha junto a outros grupos e artistas, além de realizar solos com sua palhaça Teteia.

Desse modo, quando esta criadora cênica se volta especificamente para as linhas dramatúrgicas, os múltiplos fazeres que desempenha na área teatral imprimem, na mesma medida, apuramento técnico e emoção às suas peças. Assim, à frente de seu grupo de teatro, Suely Rodrigues conquistou respeito e admiração do público e da crítica, participando de festivais e ganhando prêmios e editais concorridos, a nível regional e nacional. 

Com produção dramatúrgica apurada, textos com linguagem clara e inteligente, sua escrita cênica volta-se notoriamente para a comédia, por mais que não sejam conceituadas nesta forma dramática, a comicidade estará de algum modo presente em suas criações. Com destaque para peças destinadas ao público infantil e infantojuvenil, seus personagens são crianças, mitos da Amazônia, homens e mulheres do cotidiano, que poderiam ser encontradas no interior ou nas ruas das grandes cidades do país, figuras análogas às personagens de folguedos, brinquedos – sinônimo de manifestações folclóricas que mesclam dança, teatro e música, a exemplo do Cavalo-Marinho, típico da Zona da Mata Norte de Pernambuco – personagens oriundos da cultura de raiz popular (maracatu, boi-bumbá, festa junina). 

Dentre as suas obras ressaltamos: Eu, Vocês e Eles, Minhoca na Cabeça, Histórias do Sítio, Mateus e Zulmira, Porções e Magias (adaptação das poesias de Nilza Menezes), Maria.com e Rosael, o boto cor de rosa. Como diretora, é válido destacar as montagens de Tira a canga do boi, de Marcos Freitas; Confidências de um espermatozoide careca, de Carlos Eduardo Novaes; A formiga fofoqueira, de Carlos Nobre; Flicts, a cor, de Aderbal Júnior, Os saltimbancos, de Chico Buarque de Holanda, e Frei Molambo, de Lourdes Ramalho.

Maria.com é um dos poucos textos de Suely Rodrigues em que a comicidade não está presente, por isso mesmo chama atenção dentre suas peças. Selecionamos um trecho desta obra para enfatizar a capacidade criativa, o profissionalismo e o comprometimento social da autora. A violência contra a mulher é a temática desta dramaturgia: uma das personagens Maria, atordoada, confusa, narra a dor da abusiva iniciação sexual imposta pelo seu tio. 

Resultado de pesquisa realizada junto a mulheres de várias classes sociais de Porto Velho que sofreram e/ou sofrem com diversos tipos de violência, a peça foi contemplada em 2010 com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz e cumpriu uma agenda de apresentações em lugares alternativos, como o Presídio Feminino da capital de Rondônia. Assim, Suely Rodrigues tem construído uma carreira como mulher do teatro que se dedica à escrita e à criação cênica. Ela é uma figura de resistência que, ao longo dos anos, do riso inocente da infância à denúncia social comprometida, elabora textos que merecem ser lidos, divulgados e encenados por aqueles que, igualmente a esta criadora, encontram na arte teatral lugar de reflexão, contestação, denúncia, divertimento e sentido de vida. 

Bene Martins e Mailson Soares

M 2 – Quando eu fui para o hospital, de lá informaram à polícia que prenderam ele em flagrante.

M 1 – Hum! Entendi.

M 4 – Mas se ele tá preso, por que ela está aqui?

M 2 – Ele acha que fui eu que denunciei. Me ameaçou de morte na frente de todo mundo, inclusive da polícia. Ele não tava num dia muito bom.

M 3 – E você ainda defende ele... É muito amor mesmo.

M 1 – No caso dela não precisava representar, porque é uma ação pública.

M 4 – Falou a doutora adevogada.

M 2 – Ele ainda vai se recuperar, tenho muita fé nisso. Vocês vão ver, nós ainda vamos ser muito felizes.

M 4 – Sei não.

(MÚSICA 4 – Movimentação a cargo da direção.)

M 3 – Meu nome é Maria. Nasci ali na beira do rio. Pai e mãe trabalhava na roça. Nós era cinco filho e eu era a mais velha. Tinha mais uma irmã e os outros três era macho. Nós nascemo e se criemo na beira do rio. À noitinha a gente se sentava na frente da casa pra prosear. Ouvi os casos dos outro morador, as lenda... E como nós tinha medo de certas coisa! Eu morria de medo era de Boto. Tinha medo que um dia ele viesse, me pegasse e quando fosse embora eu ficasse barriguda. Meu tio tinha um carinho muito grande por todos nós. Principalmente por mim. As veiz eu ficava sem graça quando ele botava a mão por baixo do meu vestido e ficava mexendo comigo. Ele dizia que era um carinhozinho de tio, mas não era pra eu contar pra ninguém. Meus irmão poderia ter ciúmes, porque eu era a predileta. Um dia, eu tava tomando banho no rio e ele chegou. Mas quando ele tirou toda a roupa e ficou nu, eu gritei. Ele entrou no rio, tampou a minha boca e disse pra eu me acalmá. Me disse que como eu já estava ficando mocinha tinha que me protegê e daquele jeito ele assustava o Boto. Dizia: “Você não precisa ter medo.” E me abraçava e me alisava o corpo que tava tremendo. Ele dizia que ia me defender. Eu ficava assustada, chorando. Me dava uma coisa esquisita, mas abraçava. Ele ia me defender.

M 2(Gritando com dor.) Ai! Ai!

M 5(Tentando ajudar M 2, busca um copo com água.)

M 1(Se preocupando e dando assistência.)

M 4(Olhando a cena de longe.)

M 3(Fica preocupada sem saber o que fazer.)

M 1 – Tenha calma.

M 3 – Respire devagar.

M 2 – Ai! Dói muito.

M 3 – Acho melhor a gente chamar um médico.

M 2 – Vou perder meu filho!

M 1 – Calma, respire fundo. Abane ela aqui.

M 5(Abanando com um pano.)

M 4 – Mas é muita frescura.

M 1 – Ligue pra ela não.

M 4 – Eu conheço essa viadage. Essa patricinha faz tudo pra chamar a atenção.

M 1 – Cala a tua boca. Se não pode ajudar não piora.

M 5(Fica resmungando com raiva.)

M 4 – Que foi mudinha? O que tu tá olhando?

M 3 – Não fale assim. Ela tá com dor. Veja você, deve ter sentido muita dor também (se
referindo aos cortes nos braços.)

M 4 – Não é da sua conta.

M 1 – (Para M5.) Vamos colocar ela aqui num canto.

M 3 – Ela tá grávida.

M 4 – E tu também não tá?

M 3 – Eu? Que ideia?

M 4 – Eu vi quando você tava vomitando escondida. É gravidez, sim.

M 3 – Deve ter sido alguma coisa que eu comi.

M 4 – Comida? Sei. Com certeza foi comida.

M 3 – Por favor, não fale alto.

M 4 – Ah! Sabia que tava certa.

M 3 – Não queria que ninguém soubesse.

M 4 – Quem é o pai?

M 3 – Que pai?

(Fragmento de Maria.com)