Sueli Araujo é mulher lésbica, filha de mãe preta e pai branco. Autora, diretora teatral e atriz. É fundadora da CiaSenhas de Teatro, companhia que tem mais de 20 anos de criação. É graduada em Artes Cênicas pela PUCPR, especialista em Arte-Educação pela Faculdade de Artes do Paraná da Universidade Estadual do Paraná (FAP/UNESPAR) e mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia. É professora de direção teatral e interpretação no curso de Artes Cênicas da FAP/UNESPAR e orientadora do Núcleo de Dramaturgia do SESI Paraná.
O trabalho dramatúrgico de Sueli Araujo é conhecido principalmente pela configuração de criação no coletivo. Suas peças são sempre criadas no espaço do processo em grupo, com a relação direta com os atores e a equipe de criação. A metodologia de trabalho da CiaSenhas de Teatro é baseada no processo colaborativo e as dramaturgias criadas por Sueli Araújo são todas na intersecção entre texto e cena.
A metodologia de trabalho de Sueli revela uma preocupação ético-política na construção teatral. Não podia ser diferente, haja vista que a CiaSenhas é referência no estado e no Brasil no que tange à discussão sobre políticas públicas para a consolidação do teatro de grupo e da pesquisa continuada nas artes cênicas. Um exemplo desse compromisso é o número de projetos, mostras e festivais que a companhia produz, movimentando a cena cultural da cidade. Um exemplo é a Mostra Cena Breve Curitiba – linguagem dos grupos de teatro, na qual Sueli foi coordenadora e curadora em nove edições.
Sueli escreveu mais de 15 dramaturgias. As principais: Fui! (2016); Os pálidos (2016); Concerto para rameirinhas (2011); Delicadas embalagens (2008); Homem Piano – uma instalação para a memória (2010); Antígona – reduzida e ampliada (2006); Não me deixe mentir (2005); Bicho corre hoje (2004); João and Maria (2003); Devorateme (2001); Alencar (1999) e outras.
A dramaturga já possui dois volumes publicados com suas dramaturgias: Antígona – reduzida e ampliada, editado com financiamento do Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, em 2007, e Narrativas em cena, publicado pela editora Máquina de Escrever, em 2013, nele encontramos as peças Delicadas embalagens, Homem Piano – uma instalação para a memória e Bicho corre hoje. O livro acompanha um CD com o áudio de duas dramaturgias.
Uma das características da dramaturgia de Sueli é, certamente, um desconforto profundo com a situação conformada, a condição de ser humano no tempo presente. As personagens de seus textos nos tomam de uma profunda empatia, ao mesmo tempo em que revelam um grande deslocamento com o status quo social. O dramaturgo francês Valère Novarina fala sobre o homem fora si, e Antonin Artaud nos fala do homem alienado como alguém que não consegue se adequar à sociedade em que está inserido. As personagens de Sueli também se encontram neste estado: apesar de superficialmente agradáveis, revelam um profundo desconforto, estranhamento consigo mesmo e com o mundo, e é daí que a dramaturgia de Sueli é construída. O crítico Valmir Santos nos revela, no prefácio do livro Narrativas em Cena, que “sua escrita teatral não facilita a vida do espectador; excita-o para além do sofá do lugar-comum”.
Por outro lado, o texto de Sueli Araújo revela o movimento inerente à corporeidade presente no teatro. A dramaturgia é edificada processualmente, compartilhada com os atores, e por isso as palavras são inteiramente construídas como sons que saem de corpos. Sueli revela: “[os textos] representam um percurso e um diálogo de muitas vozes. Percurso que teve na busca da articulação entre a cena e a escrita dramatúrgica seu maior empenho. Diálogo de muitas vozes porque cada trecho dos textos aqui presentes está contaminado pelas identidades e corpos dos atores da CiaSenhas”. Todas as dramaturgias de Sueli Araújo foram escritas para serem encenadas por ela com os atores da companhia.
Escrevendo sobre o trabalho da CiaSenhas e de Sueli Araújo no livro À sombra do vampiro – 25 anos de teatro de grupo em Curitiba, recorri a bibliografias que dessem conta justo do acontecimento presente que os espetáculos da companhia produzem. Intitulei como “dramaturgia do olhar” a ferramenta que estrutura os espetáculos, acontecimentos repletos de corporeidade, de experiência, de real.
A pesquisadora e jornalista Luciana Romagnolli fala sobre o trabalho da CiaSenhas de Teatro em sua tese de doutorado Dramaturgias Conviviais: formas para a experiência do comum. Neste estudo, ela reforça, a partir da análise do espetáculo Os pálidos, a construção dramatúrgica e cênica que encaminha o acontecimento para uma intensificação da relação entre espectadores e atores. Na análise de Luciana Romagnolli, a noção de construção dramatúrgica compartilhada com a criação cênica fica ainda mais evidente, o espaço imantado e as relações criadas nele são tão ou mais importantes quanto a narrativa textual construída por Sueli.
Porém, finalizo a reflexão constatando que, recorrendo a Hans Gumbrecht, há um efeito de sentido que mantém as peças de Sueli num chão completamente palpável. Penso que é a dramaturgia que garante esse efeito, são os personagens – tão bem arquitetados –, as situações – que de tão reais engrandecem a ficção – e as falas – extremamente cotidianas – que fazem dos espetáculos potências que ora nos convidam, ora nos expulsam da produção de sentido, da ficção. As dramaturgias de Sueli são a base para que os corpos dos atores possam voar em cena, e a ficção ali apresentada nos revela o que de mais importante nos interessa em uma obra de arte: o demasiado humano das relações.
Ligia Souza