Silvia Gomez é jornalista, dramaturga e roteirista. Tem graduação em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais. Sua formação como dramaturga se deu no Centro de Pesquisa Teatral (CPT-Sesc), sob orientação de Antunes Filho. Estudou roteiro na Escola Roteiraria em São Paulo. Desde 2017, ministra aulas de dramaturgia em locais como Núcleo de Dramaturgia do SESI São Paulo e CPT-Sesc.
Em relação à sua formação junto ao CPT, Silvia Gomez explica: “Aí se deu a minha formação de fato na dramaturgia, apesar de ser um lugar muito livre, de ser mais um lugar no qual você aprende a se autoformar, a olhar para o mundo. Posso dizer que me mostrou o jeito muito profundo de como o Antunes fazia, e de como os artistas lá faziam. Me pôs na prática, [na filosofia do] no vamos experimentar, errar muito, testar os primeiros textos, colocá-los à prova... Isso é muito raro, a gente quase não tem lugares de formação de dramaturgia voltados à experiência, que contam com grupos de atores que podem experimentar e ver, e entender como você escreve”.
Ao longo do percurso como dramaturga escreveu dez dramaturgias: A cada dia a vida fica mais curta – cena curta (2001); O céu cinco minutos antes da tempestade (2008); O amor e outros estranhos rumores (2008); Abra a janela antes de começar (2014) Mantenha fora do alcance do bebê (2015), Marte, Você Está Aí? (2017); Neste mundo louco, nesta noite brilhante (2019); Pequena coleção de frases em tempos de fundos pensamentos (2020); A árvore (2021) e Partida de vôlei à sombra do vulcão (2021), esta última escrita para o Grupo Galpão. A principal parceria de Silvia Gomez se dá com o Grupo 3 de Teatro, para o qual também realizou traduções de peças estrangeiras.
Já teve seus textos traduzidos para o espanhol, francês, sueco, alemão, inglês, italiano e mandarim. No Brasil, foi contemplada pelos prêmios Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e Aplauso Brasil, e também foi indicada ao Prêmio Shell na categoria dramaturgia. Três dramaturgias foram publicadas: O céu cinco minutos antes da tempestade, peça publicada no livro Círculo de Dramaturgia (Editora Sesc SP, 2005), Mantenha fora do alcance do bebê, peça publicada pelo edital Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos (Centro Cultural São Paulo, 2015), e A árvore, publicada pela editora Cobogó (2021).
A escrita de Silvia Gomez traz o texto teatral a partir de uma construção ficcional. Isso não quer dizer, porém, que a dramaturgia se coloca dentro das estruturas rígidas do drama. O crítico e pesquisador Luiz Fernando Ramos nos indica que “sem abdicar de uma situação dramática, mas para além de esquemas convencionais, constrói-se na justaposição de falas aceleradas e vozes intensificadas. Esta massa sonora organiza-se aos poucos no pensamento do espectador. A enunciação extremada não favorece a formulação de um sentido, mas permite leituras e possibilita narrativas”. Luiz Fernando faz essa reflexão a partir da análise da dramaturgia O céu cinco minutos antes da tempestade, mas indicamos aqui como uma característica que pode ser estendida a outras peças de Silvia.
Algumas alusões à escrita de Silvia também se dão em diálogo com obras do teatro do pós-guerra. Ela revela: “eu sempre escrevo num lugar meio delirante, sou muito admiradora do realismo fantástico, do Teatro do Absurdo, essas literaturas nas quais você lida com a realidade, mas por um outro patamar”. As características do teatro do absurdo aparecem pelo inicial reconhecimento de uma situação que se dilui a partir da construção psicológica dos personagens. Silvia aponta que: “para mim, toda escrita é uma reelaboração daquilo que se lê. Vou pegando tudo que tem aqui: seu álcool em gel, seu cookie, misturo tudo. Para mim, escrever é apanhar a vida, o que está disponível. E tudo serve ao delírio. [...] Se a gente olha bem para a realidade, o delírio é ela...”.
Corroborando com Silvia, as situações fabulares, indicadas por Fernando Ramos, se apresentam não como uma representação da realidade. Antes disso, ampliam o imaginário sobre as narrativas já postas, principalmente no que tange ao universo feminino, tão caro à escrita de Silvia. Suas dramaturgias tematizam: a maternidade como uma condição imposta e seus desdobramentos na construção/desconstrução das identidades femininas; a relação entre uma definição de feminino e reflexões ambientais, discussões sobre o ecofeminismo; o fluxo de pensamento de mulheres, as elaborações psíquicas que ultrapassam a lógica masculina de racionalidade; a família como círculo de criação de patologias ancestrais; o abuso sexual como violência física e psicológica; o diário de viagem de mulheres como uma travessia interna; e outros. Para o crítico Valmir Santos, “o debate de gênero subjaz a escrita de Silvia com indícios de uma realidade que grita e, no entanto, essa dor é acessada por caminhos aparentemente implausíveis, como o do onirismo e o do delírio [...] Soma-se o equilíbrio de Silvia Gomez em fabular sem desvio da gravidade do tema, da denúncia.”.
Ligia Souza