O ator, diretor, dramaturgo e roteirista Samuel Santos chegou ao grupo O Poste Soluções Luminosas em 2009. Referência em teatro negro em Pernambuco, o grupo se dedica principalmente ao estudo da antropologia teatral e da transculturalidade, estruturando as pesquisas de corpo nas religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda. O trabalho do pernambucano influenciou a mudança de rota de O Poste, fundado em 2004 por Naná Sodré e Agrinez Melo como um grupo dedicado à iluminação cênica. Cinco anos depois da criação do grupo, as artistas, mulheres pretas, por trás da mesa de luz, entenderam que poderiam e precisavam estar no palco, e não só nos bastidores, uma jornada que teve a ver também com feminismo negro e empoderamento.
Os três primeiros espetáculos de O Poste, Cordel do Amor sem fim (2009), Anjo negro (2014) e Ombela (2014), já mostravam uma coerência temática e estética, mas não eram autorais. A necessidade de estruturar o próprio discurso foi colocada em prática com A receita (2014), dramaturgia assinada por Samuel Santos mas que contou com as interferências da sala de ensaio propostas principalmente pela atriz Naná Sodré. O texto é um dos contos narrativos da série Desatinos, que, por perspectivas diversas, abordam a loucura, bem como questões de gênero e de raça, amor, violência e opressão.
A receita esquadrinha a violência contra a mulher: é um texto duro e cru, mas que consegue instigar a criação de imagens do leitor-espectador que aguarda o suspense chegar ao ápice para então se resolver. Alternando entre a primeira e a terceira pessoa, a narração nos aproxima desta esposa, mãe e cozinheira, que lida com os abusos do marido, ao mesmo tempo em que nos faz questionar qual será o desfecho da narrativa.
O espetáculo O açougueiro (2015), que tem texto, direção e iluminação de Samuel Santos, não é assinado pelo grupo, mas envolveu todos os seus integrantes. A atuação é de Alexandre Guimarães, que convidou Santos para o projeto. O texto também faz parte da série Desatinos e conta a história de Antônio, um homem que realiza o sonho de abrir o próprio açougue e, pouco tempo depois, se casa com Nicinha, seu grande amor. O problema é que Nicinha era ex-prostituta na pequena cidade do Sertão nordestino e os moradores não aceitam a relação. Certo dia, Nicinha desaparece. Quando descobre o que aconteceu com a mulher, Antônio decide se vingar dos habitantes do lugar.
A dramaturgia de Samuel Santos constrói a figura desse homem de modo ambíguo: açougueiro, vaqueiro, rude, solitário, apaixonado, vingativo. O causo vai se desenrolando e, mais uma vez, a dramaturgia hábil leva o espectador a elaborar as imagens que ajudam a compor a história. Não há grandes inovações nessa estrutura de dramaturgia que anseia pela resolução do conflito, mas o leitor-espectador se depara com um enredo que desperta o interesse, capaz de prender a atenção até o final.
O artista diz que é “um diretor que escreve e não um dramaturgo que dirige”. Há alguns, quando é convidado para dirigir trabalhos que não estão vinculados ao O Poste, os textos têm sido de sua autoria. Foi assim, por exemplo, no espetáculo A lenda do Santo Fujão, texto e direção de Santos para a Cia. Feira de Teatro Popular, em 2013, peça que bebe na cultura popular nordestina e homenageia o ator e mamulengueiro Sebastião Alves (1957-), Sebá, e o dramaturgo Vital Santos (1948-2013).
Em Severinos, Virgulinos e Vitalinos (2016), da Dispersos Cia. de Teatro, texto e direção de Samuel Santos, dois filhos de artistas saem em busca dos pais que seguiram com o circo. A dramaturgia inclui muitas referências à cultura popular nordestina, inclusive a figuras simbólicas da região, como Lampião (1898-1938), João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e Mestre Vitalino (1909-1963), num texto que é também uma homenagem à arte do circo.
Um capítulo importante na produção do pernambucano é dedicado aos espetáculos para infância e juventude. Em 2002, adaptou e dirigiu A terra dos meninos pelados, de Graciliano Ramos, para o grupo Arte em Foco. O espetáculo teve muita repercussão: ganhou oito dos dez prêmios na categoria Teatro para Infância no festival Janeiro de Grandes Espetáculos. Em 2011, a peça foi remontada pelo mesmo grupo, porém com elenco diferente. Outros espetáculos para infância importantes na carreira de Santos são O amor do Galo da Madrugada pela Galinha D'água (2006) e Historinhas de dentro (2008).
Mais recentemente, o pernambucano nascido e criado na periferia do Recife diz que está em busca de uma dramaturgia do pertencimento, fincada nos povos originários. Um trabalho impactante nesse caminho foi o experimento LONGUSU XENUMPRE DUDU NORDESTINA PE, criado para a programação Cena Agora, promovida pelo Itaú Cultural, que teve como tema “Encruzilhada Nordeste(s): (contra)narrativas poéticas”. Os textos foram escritos e ditos em umbundo, língua banta falada povo originário das montanhas centrais de Angola, brobó, língua dos povos Xucurus, e Yorubá, idioma falado na Nigéria e no Benim.
Pollyanna Diniz