Em 1995 nasceu o Teatro Popular de Ilhéus. Um grupo de teatro sediado na cidade de Ilhéus, sul da Bahia, que, com mais de 25 anos de história, segue ativo até os dias atuais. O coletivo idealizado por Équio Reis, da primeira turma da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia e um dos fundadores da Companhia dos Novos e do Teatro Vila Velha, em Salvador, tem entre seus membros fundadores Romualdo Lisboa. Como boa parte dos grupos de teatro, os integrantes se dividem na execução de todas as funções necessárias à manutenção do coletivo, inclusive no que diz respeito à materialização dos espetáculos e das suas temporadas. Quando, nos primeiros anos do Teatro Popular de Ilhéus, Equiél montou um grupo de pesquisa em dramaturgia, Romualdo fez parte dessa iniciativa. Nele, estudaram desde os dramaturgos clássicos gregos até os dramaturgos brasileiros contemporâneos e, nesse contexto, Romualdo assinou, sua primeira dramaturgia, uma adaptação de um conto de Tchekhov: A feiticeira.
Desde então, Romualdo segue escrevendo para o grupo textos assinados tanto coletivamente quanto individualmente e, com o falecimento de Equiél no ano de 2001, também assume a direção dos espetáculos adultos do coletivo. Os textos do dramaturgo são feitos para e a partir do Teatro Popular de Ilhéus. Sempre mobilizado pelo desejo de falar da cidade e de sua conexão com o mundo, escolhe os temas de suas obras a partir de inquietações que nascem no contexto do grupo, quando juntos decidem tornar público os debates e suas buscas por respostas relacionadas às questões que levantaram. Por isso, talvez, Romualdo não considera escrever um processo solitário. Ele escreve para responder aos desafios que os atores lhe colocam em discussões, cenas e improvisos e também para desafiá-los de volta ao imaginar os textos saindo de suas bocas. Existe um jogo de intimidade e tensão que mantém sua produção viva.
Em 2006, Romualdo Lisboa escreveu Teodorico Majestade: as últimas horas de um prefeito, primeira peça de repercussão do grupo que segue em cartaz até hoje e que, inclusive, ganhou uma versão on-line durante a pandemia. O texto, todo escrito em cordel, apresenta os últimos momentos de governo de um prefeito corrupto em seu mandato e gabinete, pressionado pela população a deixar o cargo após o vazamento de escândalos de desvio de verbas nos quais estava envolvido. Além da indicação ao prêmio Braskem de Teatro da Bahia e da circulação nacional, a peça impactou diretamente a população de Ilhéus e teve um papel bastante relevante na cassação do mandato do prefeito da cidade na época, figura pública que havia inspirado a construção do personagem Teodorico.
Entretanto, o clima de insatisfação popular com a gestão pública em Ilhéus não desapareceu com a cassação do prefeito, uma vez que o vice, também envolvido nos escândalos de corrupção em questão, assumiu. O que levou o dramaturgo a escrever uma versão própria da peça de Gogol, intitulada O Inspetor Geral – sai o prefeito, entra o vice. O texto, também formatado em cordel, fez uma temporada em São Paulo, ganhando uma indicação ao prêmio Shell.
Vinculado a um teatro político, percebe-se no trabalho do dramaturgo uma forte influência dos textos de Bertold Brecht, em diálogo com seu interesse pela cultura popular e canções de trabalho. Aspecto possível de ser observado também no texto 1789, escrito em 2013. Nesse trabalho, discute-se uma revolta promovida por escravizados no Engenho de Santana, localizado no sul da Bahia, em 1789, aproximando o evento histórico e seus personagens da experiência do grupo, sua luta política e sua luta sindical. Na ocasião, convida membros do terreiro Matamba Tombenci Neto, cuja história está diretamente ligada à história do Engenho de Santana, para participar do elenco.
Atualmente, Romualdo desenvolve com o grupo uma peça intitulada Sonhos, ou o que restou de nós depois da tempestade, a partir da experiência recente do grupo de perder parte importante do seu acervo num temporal. Além disso, a interrupção do processo criativo da montagem de Sonhos de uma noite de verão, em virtude da pandemia, incitou o desejo de refletir sobre os impactos da Covid-19 e do fascismo na cultura nacional, nos reconectando com o aspecto revolucionário do sonho.
Laís Machado