Dramaturga, roteirista, atriz, diretora e preparadora de elenco, Noá Bonoba, desde a graduação no Instituto Federal do Ceará (IFCE), se interessa pelo teatro do absurdo e pelo teatro pós-dramático e propõe, em suas produções, tensões às hierarquias estabelecidas entre os elementos do espetáculo e às expectativas sobre os corpos e suas performances.
Ainda em sua formação, usou o espaço da disciplina de dramaturgia, mediada pelo professor Fernando Lira, para experimentar outras possibilidades de escritas dramatúrgicas que se distanciassem de uma experiência mais clássica. Explorando com mais energia uma lógica não texto-centrada, sua dramaturgia acaba se vinculando fortemente à encenação como um todo. Nesse contexto, estreia seu primeiro texto: Elefantes famintos em 2015.
Aproximando-se politicamente da questão ambiental, da crise climática e da discussão decolonial, usa da ficção especulativa para criar o espetáculo Notas de uma terra devastada (2018), um duo de Noá com Muriel Cruz Phelipe. Nesse texto, composto apenas por notas, uma personagem no futuro envia relatórios diários para o tempo presente, contando sobre a destruição do planeta, o avanço do aquecimento global, a inundação de continentes inteiros, bem como o ressurgimento de regimes autoritários, as tentativas de adaptação capitalista e a questão das guerras e lixos nucleares.
A atmosfera especulativa segue presente em sua escrita, como é possível constatar ao ler Go Go Bruce (2019), trabalho em que Noá usa de textos próprios e de colagens de outros textos para nos colocar diante de um personagem e suas tentativas de ressuscitar seu amante, e de um rizoma de questões transversais que se materializam em suas reflexões durante sua performance. A artista também transita pelo cinema, tanto como roteirista quanto como preparadora de elenco, e durante a pandemia desenvolveu o vídeo-dança intitulado Travomantra, onde atua como performer, roteirista e diretora. Travomantra está disponível na íntegra no YouTube.
É importante destacar que sua constância no trabalho de direção de atores transforma a performance em um dos elementos centrais de sua produção, tanto como dramaturga/roteirista quanto como diretora. Ao questionar o lugar do fracasso e as expectativas relacionadas ao bom desempenho de uma performance, a artista reflete sobre esse efeito em relação aos corpos dissidentes e como esse argumento, o da “boa performance”, foi e é usado para justificar dinâmicas de opressão como, por exemplo, o transfake.
Noá Bonoba, também dedica parte do seu tempo à participação e à elaboração de projetos que trabalhem pela redistribuição de acessos e formação em arte, em especial projetos voltados à comunidade LGBTQIAP+. Atualmente desenvolve a Residência Teatral para Pessoas Trans e Travestis, na qual atua como encenadora, formadora e dramaturga.
A residência – cujo aspecto de formação é tão forte e dialoga com o desejo de Noá de desenvolver obras nas quais ela consiga reunir um elenco majoritariamente trans – servirá também de processo criativo para um texto seu inédito: Trúqui. O elenco será formado por 10 pessoas que investigarão, em contato com o texto, “formas de dizer”, a performance de falar, tentando se distanciar de uma ideia naturalista de lidar com o texto e compondo um trabalho de coro, semelhante a ideia de uma orquestra.
Laís Machado