Aos 29 anos, Leonardo de Castro acaba de receber o Prêmio Funarte de Dramaturgia, edição de 2021, como primeiro colocado da região Centro-Oeste. Alguns anos antes, em 2017, foi um dos vencedores do VII Prêmio Jovens Dramaturgos, da Escola Sesc de Ensino Médio.
Da nova geração da cena de Mato Grosso do Sul, Leonardo de Castro é um artista de múltiplas habilidades. Ator, músico, professor, pesquisador e dramaturgo. Começou a sua trajetória com o teatro ainda criança, tendo como uma de suas mestras Cristina Mato Grosso – atriz, diretora e dramaturga, uma das mais importantes referências na história do teatro sul-mato-grossense. Sua relação com a palavra começou cedo, na escola, instigado pela leitura e pela literatura. No Ensino Médio, experimentou a criação de peças de teatro, com trabalhos estimulados pela disciplina de literatura, como é comum em muitas escolas. Daí foi descobrindo a curiosidade pela escrita como uma ferramenta de contar histórias.
Mas foi na universidade, enquanto cursava Artes Cênicas [na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul], que descobriu, se encontrou e desbravou a dramaturgia. Os fortes anseios de ser visto e ouvido, como costuma ser comum em boa parte da juventude, passaram a reverberar nos exercícios de escrita dramatúrgica e no contato com as(os) demais colegas de turma. Também no período da graduação, as dramaturgias começaram a ser testadas, experimentadas, nas encenações feitas nos eventos acadêmicos ou como finalização de disciplinas.
Durante o estágio – como parte das obrigatoriedades das licenciaturas –, Leonardo deu um passo adiante na consolidação da sua trajetória com a dramaturgia, quando explorou a construção dramatúrgica como recurso para os processos didáticos na escola. Para além de criar peças temáticas, ele propôs um processo criativo coletivo para construir as dramaturgias com as(os) estudantes de Ensino Médio, provocando a criação a partir de temas levantados pelas(os) próprias(os) estudantes. Essa prática foi se aperfeiçoando e desdobrando em diversas dramaturgias, como estagiário e estudante de graduação, depois como estudante de mestrado, hoje como professor, mestre em Educação e dramaturgo.
Nesse sentido, foi a partir da relação com estudantes do ensino básico que surgiu Xeque-Mate, dramaturgia vencedora do prêmio Jovens Dramaturgos, em 2017, que tem o jogo de xadrez como pilar do enredo – pois as(os) estudantes da escola que estava trabalhando à época eram muito ligados ao jogo de xadrez, e isso foi um ponto de contato de relação com o teatro na sala de aula e um possível caminho de reflexão social. A peça teve uma montagem feita pelo grupo Fulano Di Tal, em Campo Grande.
Agrobola Futebol Clube, que garantiu o Prêmio Funarte, teve como ponto de partida um exercício realizado na escola sobre as questões indígenas na história do país. O mote da narrativa é uma partida de futebol entre os times Urucum Futebol Tribo e o Soccer Nelore United Club. Não se trata de uma partida qualquer, mas uma partida em que se demonstra a disputa de poder e de território que marca a história do Brasil. Antes mesmo que os urucunistas – como são denominados na peça os jogadores do Urucum Futebol Tribo – tenham a chance de iniciar uma jogada, são vencidos por regras impostas e inventadas para favorecer o time adversário, que tem inclusive menos jogadores que eles. Por fim, perdem o campo, a bola e a identidade, se metamorfoseando em árvores e depois em bois. Em tom de humor áspero e crítico, Leonardo reúne o esporte de maior prestígio para os brasileiros, a corrupção social, política e religiosa, e as possíveis manipulações por meio de notícias e informações falsas. Uma história que seria absurda, se não nos remetesse a fatos que remontam ao período da invasão do Brasil até hoje.
Embora tenha uma relação muito forte com o contexto escolar e provavelmente com a dimensão didática, Leonardo se influencia pelo teatro do oprimido, mas também pelo teatro do absurdo. Nas peças escolares, ou didáticas, os recursos do absurdo aparecem mais sutilmente. O absurdo surge como um exagero, uma metáfora, um sarcasmo nas suas narrativas. É um flerte com a ideia do pós-apocalíptico, no sentido de provocar um tipo de revisão dos nossos instintos, sobre quem somos em situações de tensão, como se mostra através das personagens femininas de Crema, peça escrita durante o isolamento social, em 2020, com direção de Lígia Prieto – que resultou em uma montagem para o formato virtual e algumas apresentações presenciais em 2021.
No seu percurso como dramaturgo, mais do que o gosto pela escuta das histórias do cotidiano, há a presença de crítica social em todos os seus trabalhos. Seja nas temáticas de questões familiares, questões religiosas, questões históricas ou políticas. Desde a sua primeira peça Dona Aciz (2011), e em outras como Irmã Ester (2016) e Prólogo (2019), para citar algumas, Leonardo nos convida a experimentar um misto de sensações, entre riso, inquietude e estranheza.
Carin Louro