lauande aires

São Luís - MA

Fragmento Teatral

CENA III

JOANINHA – E agora? O que que a gente faz?

PEDOCA – Eu não sei quanto a vocês, mas, na minha terra, depois da reza a gente toma a benção e dorme. (Arruma-se para dormir.)

CECÉ – Seis cidades! Seis paradas!

TOINHA – Eu “tô” muito cansada! Meu pé “tá” dormente! Minha perna “tá” inchada!

JOANINHA – Eu “tô” muito é com fome!

PEDOCA – E eu só quero dormir!

CECÉ – Mas isso não faz sentido, gente! Nós três dormindo em uma rede e esse xexelento dormindo sozinho!

PEDOCA – Tá insatisfeita, cheirosa? Traz tua xexelenta “pro” lado de cá e deita comigo! (As três se sentam em uma só rede, que é armada na estrutura da carroça.)

CECÉ – Mas isso não faz sentido, gente!

TOINHA – O que não faz sentido, Cecé?

CECÉ – Ora, Toinha, nós já estamos na sexta parada e até agora nada! Não adianta ficar repetindo a mesma história a cada vez que paramos! Tem que ter uma solução!

JOANINHA – A solução é achar algo pra comer, descansar e continuar procurando, ora! A Cecé está sempre achando que tem alguma coisa errada. Ô mulher desconfiada.

CECÉ – Pensem comigo: quem nós estamos procurando esse tempo todo? (Pergunta para a plateia.)

JOANINHA – Um tal de Jerico Jericó.

CECÉ – E se esse tal Jerico Jericó existe e se é mesmo dono da carroça mágica, por que
está foragido?

TOINHA – Vai ver que assim como eu, foi procurar o seu grande amor...

JOANINHA – Ou como eu, fugiu de casa para não apanhar do padrasto.

PEDOCA – Ou assim como vocês, saiu pelo mundo só pra falar bestagem!

CECÉ – Bestagem é continuar nessa viagem e não encontrar o que procuramos.

JOANINHA – Conta de novo, Pedoca, desde o começo, tintim por tintim, do começo até o fim, como foi que toda essa história de carrocinha começou.

PEDOCA – Vocês não cansam de ouvir essa estória, não, é?

TOINHA – Mas Joaninha chegou por último, ela não sabe assim dos detalhes.

PEDOCA – Não vou contar é nada, vou tratar é de descansar pra ver se eu esqueço a fome.

JOANINHA – Pois então: conte histórias! Assim a gente se distrai e rapidinho a gente
dorme.

PEDOCA – Tá bom, eu conto... Desde que tenho uns sete anos um sonho me acompanha. É um sonho muito pequeno, mas também muito bonito. Nele eu encontro, na frente da igreja matriz, uma linda carroça, mágica, que me levava pra onde os meus sonhos mandassem. Ela é puxada por um burro, o Jerico Jericó. Aí eu acordo.

TODAS – Isso a gente já sabe, Pedoca, conta o resto.

PEDOCA – O resto é que... Não, essa parte eu não conto... (Elas e o público solicitam e
ele conta.) Um dia, já adulto, eu trabalhava como porteiro da escola e, não sei como, eu
perdi todas as chaves. Me mandaram embora e eu fui parar na porta da igreja matriz pra
pensar no que eu ia fazer da vida.

CECÉ – Como sempre, irresponsável!

TOINHA – Deixa ele falar, Cecé!

PEDOCA – Quando cheguei lá, encontrei essa carroça, parada, igualzinha a carroça do meu sonho. Sentei do lado dela e fiquei esperando o Jerico, pra que ele me levasse pra onde meu sonho mandasse. Fiquei lá por três dias e três noites, e nada. O povo começou
passar e elogiar essa carroça como se fosse minha...

TOINHA – Que linda essa carroça!

JOANINHA – Me leva pra passear na carrocinha!

CECÉ – Que carroça magnífica!

PEDOCA – Então achei que devia seguir com ela e encontrar o Jerico Jericó. Não encontrei o Jerico, mas encontrei essas três biribas.

CECÉ – Mas me diz uma coisa, Pedoca: como é esse burro materializado? De que tamanho?

TOINHA – De que cor que ele é?

(Fragmento de A carroça é nossa)

Lauande Aires é ator, dramaturgo, diretor e compositor.

ouça a entrevista:

Apresentação Critica

Lauande Aires se tornou ator por vocação, diretor por intuição e autor por necessidade! Ator, dramaturgo, diretor e músico, Lauande atua de modo profissional na cena maranhense desde 1999. Integra duas importantes companhias do Maranhão: uma delas é a Santa Ignorância Cia. das Artes, que desde 1997 investiga uma cena teatral que mistura dança, performance e música, com a qual Lauande estreou um de seus textos teatrais, O miolo da estória. Nesta peça, premiada no XVIII Festival de Monólogos Ana Maria Rêgo, em Teresina, o espectador acompanha o drama do solitário e humilde João Miolo, operário da construção civil que sonha ser cantador do bumba meu boi, onde é brincante. A peça trata do conflito de um homem com as relações sociais e a exploração. Como escreveu Ivana Moura para o blog de crítica teatral Satisfeita, Yolanda?: “De uma só tacada o autor expõe uma sociedade desigual e excludente, o risco da brincadeira virar número para manipulação política e a ruptura com a religião e o ritual, que está na origem de muitos desses folguedos.” O miolo da estória e mais algumas peças do autor foram publicadas em 2012 no livro Entre o chão e o tablado: a invenção de um dramaturgo.

A outra companhia da qual Lauande faz parte é o Grupo Xama Teatro, coletivo coordenado por mulheres atrizes. No grupo, assinou a dramaturgia e direção de A carroça é nossa, peça de teatro de rua que circulou por todos os estados brasileiros, na qual quatro personagens, Pedoca, Cecé, Toinha e Joaninha, partem em uma jornada em busca de um animal para puxar uma carroça, que acreditam ser o veículo mágico de transporte até os seus sonhos. Durante a busca, percebem que seus destinos não se cruzaram à toa e que precisam desvendar um enigma que envolve a carroça. Brincadeiras, cantos e contação de histórias são recursos que embalam a trama que se inspira nas lendas, mitos e ritmos do Maranhão. O espetáculo foi originado a partir de uma criação coletiva, em 2005. O texto atual, escrito em 2012, por Lauande Aires, após oito anos de experimentação com roteiros improvisados, foi organizado a partir das etapas de apresentação das toadas do bumba meu boi, no Maranhão. 

Licenciado em Teatro e Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Maranhão, Lauande investiga academicamente aquilo que exerce na prática com seus grupos de teatro: procedimentos de criação a partir dos elementos corpóreos, sonoros, visuais e dramatúrgicos presentes nas brincadeiras populares, especialmente no bumba meu boi do Maranhão.

Além de somar ao seu currículo experiências e premiações como ator de cinema, Lauande também já foi diretor do Teatro Alcione Nazaré, teatro público no centro de São Luís, e um dos organizadores da Semana de Teatro no Maranhão. 

Gorete Lima

Lauande Aires é ator, dramaturgo, diretor e compositor.

Lauande Aires se tornou ator por vocação, diretor por intuição e autor por necessidade! Ator, dramaturgo, diretor e músico, Lauande atua de modo profissional na cena maranhense desde 1999. Integra duas importantes companhias do Maranhão: uma delas é a Santa Ignorância Cia. das Artes, que desde 1997 investiga uma cena teatral que mistura dança, performance e música, com a qual Lauande estreou um de seus textos teatrais, O miolo da estória. Nesta peça, premiada no XVIII Festival de Monólogos Ana Maria Rêgo, em Teresina, o espectador acompanha o drama do solitário e humilde João Miolo, operário da construção civil que sonha ser cantador do bumba meu boi, onde é brincante. A peça trata do conflito de um homem com as relações sociais e a exploração. Como escreveu Ivana Moura para o blog de crítica teatral Satisfeita, Yolanda?: “De uma só tacada o autor expõe uma sociedade desigual e excludente, o risco da brincadeira virar número para manipulação política e a ruptura com a religião e o ritual, que está na origem de muitos desses folguedos.” O miolo da estória e mais algumas peças do autor foram publicadas em 2012 no livro Entre o chão e o tablado: a invenção de um dramaturgo.

A outra companhia da qual Lauande faz parte é o Grupo Xama Teatro, coletivo coordenado por mulheres atrizes. No grupo, assinou a dramaturgia e direção de A carroça é nossa, peça de teatro de rua que circulou por todos os estados brasileiros, na qual quatro personagens, Pedoca, Cecé, Toinha e Joaninha, partem em uma jornada em busca de um animal para puxar uma carroça, que acreditam ser o veículo mágico de transporte até os seus sonhos. Durante a busca, percebem que seus destinos não se cruzaram à toa e que precisam desvendar um enigma que envolve a carroça. Brincadeiras, cantos e contação de histórias são recursos que embalam a trama que se inspira nas lendas, mitos e ritmos do Maranhão. O espetáculo foi originado a partir de uma criação coletiva, em 2005. O texto atual, escrito em 2012, por Lauande Aires, após oito anos de experimentação com roteiros improvisados, foi organizado a partir das etapas de apresentação das toadas do bumba meu boi, no Maranhão. 

Licenciado em Teatro e Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Maranhão, Lauande investiga academicamente aquilo que exerce na prática com seus grupos de teatro: procedimentos de criação a partir dos elementos corpóreos, sonoros, visuais e dramatúrgicos presentes nas brincadeiras populares, especialmente no bumba meu boi do Maranhão.

Além de somar ao seu currículo experiências e premiações como ator de cinema, Lauande também já foi diretor do Teatro Alcione Nazaré, teatro público no centro de São Luís, e um dos organizadores da Semana de Teatro no Maranhão. 

Gorete Lima

CENA III

JOANINHA – E agora? O que que a gente faz?

PEDOCA – Eu não sei quanto a vocês, mas, na minha terra, depois da reza a gente toma a benção e dorme. (Arruma-se para dormir.)

CECÉ – Seis cidades! Seis paradas!

TOINHA – Eu “tô” muito cansada! Meu pé “tá” dormente! Minha perna “tá” inchada!

JOANINHA – Eu “tô” muito é com fome!

PEDOCA – E eu só quero dormir!

CECÉ – Mas isso não faz sentido, gente! Nós três dormindo em uma rede e esse xexelento dormindo sozinho!

PEDOCA – Tá insatisfeita, cheirosa? Traz tua xexelenta “pro” lado de cá e deita comigo! (As três se sentam em uma só rede, que é armada na estrutura da carroça.)

CECÉ – Mas isso não faz sentido, gente!

TOINHA – O que não faz sentido, Cecé?

CECÉ – Ora, Toinha, nós já estamos na sexta parada e até agora nada! Não adianta ficar repetindo a mesma história a cada vez que paramos! Tem que ter uma solução!

JOANINHA – A solução é achar algo pra comer, descansar e continuar procurando, ora! A Cecé está sempre achando que tem alguma coisa errada. Ô mulher desconfiada.

CECÉ – Pensem comigo: quem nós estamos procurando esse tempo todo? (Pergunta para a plateia.)

JOANINHA – Um tal de Jerico Jericó.

CECÉ – E se esse tal Jerico Jericó existe e se é mesmo dono da carroça mágica, por que
está foragido?

TOINHA – Vai ver que assim como eu, foi procurar o seu grande amor...

JOANINHA – Ou como eu, fugiu de casa para não apanhar do padrasto.

PEDOCA – Ou assim como vocês, saiu pelo mundo só pra falar bestagem!

CECÉ – Bestagem é continuar nessa viagem e não encontrar o que procuramos.

JOANINHA – Conta de novo, Pedoca, desde o começo, tintim por tintim, do começo até o fim, como foi que toda essa história de carrocinha começou.

PEDOCA – Vocês não cansam de ouvir essa estória, não, é?

TOINHA – Mas Joaninha chegou por último, ela não sabe assim dos detalhes.

PEDOCA – Não vou contar é nada, vou tratar é de descansar pra ver se eu esqueço a fome.

JOANINHA – Pois então: conte histórias! Assim a gente se distrai e rapidinho a gente
dorme.

PEDOCA – Tá bom, eu conto... Desde que tenho uns sete anos um sonho me acompanha. É um sonho muito pequeno, mas também muito bonito. Nele eu encontro, na frente da igreja matriz, uma linda carroça, mágica, que me levava pra onde os meus sonhos mandassem. Ela é puxada por um burro, o Jerico Jericó. Aí eu acordo.

TODAS – Isso a gente já sabe, Pedoca, conta o resto.

PEDOCA – O resto é que... Não, essa parte eu não conto... (Elas e o público solicitam e
ele conta.) Um dia, já adulto, eu trabalhava como porteiro da escola e, não sei como, eu
perdi todas as chaves. Me mandaram embora e eu fui parar na porta da igreja matriz pra
pensar no que eu ia fazer da vida.

CECÉ – Como sempre, irresponsável!

TOINHA – Deixa ele falar, Cecé!

PEDOCA – Quando cheguei lá, encontrei essa carroça, parada, igualzinha a carroça do meu sonho. Sentei do lado dela e fiquei esperando o Jerico, pra que ele me levasse pra onde meu sonho mandasse. Fiquei lá por três dias e três noites, e nada. O povo começou
passar e elogiar essa carroça como se fosse minha...

TOINHA – Que linda essa carroça!

JOANINHA – Me leva pra passear na carrocinha!

CECÉ – Que carroça magnífica!

PEDOCA – Então achei que devia seguir com ela e encontrar o Jerico Jericó. Não encontrei o Jerico, mas encontrei essas três biribas.

CECÉ – Mas me diz uma coisa, Pedoca: como é esse burro materializado? De que tamanho?

TOINHA – De que cor que ele é?

(Fragmento de A carroça é nossa)