Quem lembra do seu amigo imaginário? Ou pelo menos recorda se teve um? E as brincadeiras do tempo de criança, quem é capaz de esquecê-las? E as histórias que ouvimos e alimentaram nossos sonhos: príncipes, reis, gigantes, bruxas, monstros... A infância, comprovadamente, é a fase que marca a todos. Então, concentremos nosso olhar ou lembremos dessa época da vida com a ternura que esta deveria sempre ser recordada. Talvez, seja com esse mote que Justino Vettore, jovem dramaturgo de Tocantins, recorra, consciente ou inconscientemente, todas as vezes que precisa escrever um texto para teatro. Pois, ao ler suas peças, nos parece que sempre há um olhar de menino curioso desvelando o mundo. E, se lembrarmos que as palavras saber e contar possuem a mesma raiz latina, podemos entrever que o dramaturgo em questão é um grande contador de histórias.
Assim, ao observarmos a trajetória deste paulista, mas radicado tocantinense, poderemos constatar o quão o teatro está vivo nele, desde muito cedo, desde garoto, escrevendo, dirigindo, atuando em peças teatrais, este fazer alimentou e mantém viva nele a chama que ilumina os tablados no mundo todo. Algo que somente quem já pisou no chão de um palco teatral e fez dali sua morada, quando as cortinas se abrem, poderá descrever.
Dessa maneira, a ludicidade e a força imagética presentes nas dramaturgias de Justino Vettore, bem como os elementos da cultura popular, a interação com a plateia e a metalinguagem, aludem a maneira como o autor brinca com as palavras e aviva suas memórias no jogo cênico. Como alguém que ama e vivencia profundamente aquilo que faz, Justino está sempre disposto a se comunicar com quem está a sua volta, com leveza, serenidade e pontualidade, sobre questões sociais que precisam ser discutidas.
Assim, atento às questões que nos cercam na atualidade, Justino Vettore aborda-as delicadamente em suas escritas. Sua criação dramatúrgica não se dá fora do tempo, nem na contramão da memória, mas por meio de bifurcações e diferenciações que só em jogo nupcial com a divina musa Mnemósine podem nascer, o dramaturgo recolhe e guarda o que Cronos vai deixando pelos caminhos. Quando precisa, ele lança mão das informações e as reconfigura para suas escritas cênicas advindas de um verbo mágico invenire, ‘achar’, ‘encontrar’, e daí termos nas linhas dramatúrgicas uma “des-coberta”, “um des-velar” de certos fragmentos do imaginário, das memórias, das vivências.
Desse modo, revelando e inventando mundos, Justino Vettore segue sua jornada escrita atuando em várias frentes e acumulando experiências cênicas que enriquecem sua escritura. Além das peças, assina roteiros de eventos culturais, bem como de webséries, atua na direção de documentários e outros projetos voltados às artes cênicas, dentre outras atividades. Lembram como iniciamos esta escrita? Pois bem, se as criações fabulosas da infância são pertinentes às produções dramatúrgicas de Justino Vettore, resta-nos, neste momento, como amostra das artimanhas do autor, mergulharmos n’O fantástico mundo imaginário de Marcy.
Nesta história, o dramaturgo nos apresenta como protagonista uma menina de sete anos que, na solidão de não ter um companheiro para suas brincadeiras, cria amigos imaginários: uma versão criança do seu irmão adolescente, que ela chamará de “o pequenino”, um gato gordo e uma bailarina cega. Juntos, eles enfrentam a bruxa do esquecimento e aventuram-se nas descobertas de um mundo a ser desconstruído em relação à imposição de padrões sociais.
Sem subestimar a inteligência dos pequenos, o dramaturgo usa de sua imaginação para brincar com a imaginação do espectador, embaralhando mundos possíveis e, habilmente, manipulando a criação cênica. Justino elabora com excelência seu texto direcionado ao público infantil, lançando mão justamente daquilo que todos usamos ou podemos usar em nosso dia a dia: a fantasia. O autor lembra-nos da possibilidade de sonharmos mundos diferentes e de “viver” acontecimentos que suavizem as agruras da realidade ou nos ajudem a enfrentá-las.
O imaginário, tomado aqui como elemento de criação poética da cena teatral não significa fuga daquilo que precisamos vivenciar, mas é artifício do qual o dramaturgo faz uso para, dentro de sua escrita, encontrar ou apontar soluções para questões sociais que precisam ser debatidas. O autor não se limita a escrever para crianças, mas, quando o faz, comprova sua capacidade de elaborar textos cativantes, ágeis, inteligentes e bem estruturados. Engana-se quem supõe que produzir dramaturgia para o público infantil seja tarefa fácil, haja vista o desafio de agradar, entreter e atender às potencialidades da subjetividade da infância.
Dessa maneira, seguindo esta métrica de trabalho e talento, Justino Vettore demonstra sua vocação para as urdiduras teatrais e comprova sua capacidade inventiva a cada novo texto, nos quais denota domínio técnico, comprometimento com a realidade e encantamento com seu ofício. Evoé!
Bene Martins e Mailson Soares