Juliana Capilé começou sua formação em Ouro Preto, Minas Gerais, onde cursou Direção Teatral na Universidade Federal de Ouro Preto e criou a Companhia Pessoal de Teatro em 2001, que mantém até hoje junto com a atriz e pesquisadora Tatiana Horevicht. É mestra e doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pela Universidade Federal de Mato Grosso e formadora convidada no curso de Dramaturgia na MT Escola de Teatro da Universidade do Estado de Mato Grosso.
Sempre ligada à pesquisa e ao pensamento do fazer teatral e dramatúrgico, tem ministrado oficinas de dramaturgia, roteiro e técnicas de montagem de espetáculos há quase duas décadas. Recentemente, Juliana tem desdobrado suas habilidades na escrita de roteiros e direção de obras audiovisuais, como o curta-metragem premiado O menino e o ovo, de 2020.
Um dos trabalhos mais conhecidos de Juliana é Cidade dos outros, que estreou em 2010 e circulou por várias cidades, aldeias e quilombos através de projetos de circulação como Palco Giratório, Circula MT e Amazônia das Artes. O espetáculo, montado pela Companhia Pessoal de Teatro, figura como uma marca importante para a difusão do teatro mato-grossense no cenário nacional. Na montagem, além da dramaturgia, Juliana contracena com Tatiana Horevicht, dirigidas por Amauri Tangará, outro nome de relevante referência no teatro de Mato Grosso.
Inspirado no universo de Beckett, a trama se desenvolve a partir da relação de dois personagens que fazem planos do que poderiam comprar caso ganhassem na loteria. Em um ritmo lento e melancólico, a obra se propõe a refletir sobre a espera constante pelas coisas surpreendentes capazes de gerar transformações na vida. A espera é a ação, é o mote da peça. Enquanto esperam, famintos pela realização do sonho, os personagens conversam sobre banalidades e manipulam uma máquina. Nesse círculo de conformação da espera, várias camadas vão se revelando sobre uma sociedade que preza pelo consumo e a crescente desigualdade social. Uma realidade de muitas pessoas que se sentem impotentes, incapazes, sem forças para agir e reagir, e permanecem apenas olhando para uma “cidade dos outros”, sem condições e sem fôlego de pertencer.
Além de integrar o Movimento de Teatro MT, Juliana é realizadora do Núcleo de Pesquisas Teatrais – Encontros Possíveis, projeto encabeçado pela sua companhia e que nas suas oito edições passou por cidades como Cuiabá, Primavera do Leste e Chapada dos Guimarães, sendo a primeira edição em 2009 e a última em 2015. O Núcleo foi um seminário com ações de formação e intercâmbio com a participação de diversos artistas e grupos nacionais e internacionais, como Eugenio Barba e Odin Teatret, como uma forma de traçar conexões entre o teatro mato-grossense e os cenários nacional e internacional.
Em 2017, a Companhia Pessoal de Teatro foi selecionada como grupo residente do Nordisk Teaterlaboratorium, do grupo Odin, na Dinamarca. Juliana escreveu EntreNãoLugares, em 2019, com colaboração de Julia Varley. No texto, duas mulheres catadoras de papel contam histórias relacionadas a viagens e migrações. Uma narrativa não linear, nem dramática, atravessada pela jornada de Ulisses com seu sonho de chegar à ilha de Itaca e por traços de memórias das origens familiares de Juliana e da atriz Tatiana Horevicht. Como se fossem vários retalhos de histórias que em alguns momentos parece que vão se juntar numa mesma trama, ou não. A montagem, realizada em coprodução com o Nordisk Teaterlaboratorium, teve direção de Julia Varley e estreou na Dinamarca. Nesse trabalho, é evidente a relação do texto com as ações físicas, desvelando aspectos de uma pesquisa que vai se orientando por uma dramaturgia que transita entre o textual e o físico.
Essa investigação por uma dramaturgia física começou antes. Criame, de 2018, é inspirada no texto As criadas, de Jean Genet. Um estudo anterior sobre a obra de Genet resultou na escritura do texto Criadouro, de 2004. Com a ideia de uma nova versão, uma nova roupagem, Juliana cria uma dramaturgia física, sem diálogos verbais, com partituras de ação e música original. Nas palavras de Juliana: "O tempo todo o texto pautou o que fazíamos em cena, mas optamos por não o usar em cena". A dramaturgia, portanto, opera na conjunção das composições de dramaturgia do corpo e dos demais elementos cênicos.
Atravessada pela estética do teatro do absurdo, em suas inspirações e interlocuções com autores como Beckett e Jean Genet, a escrita de Juliana abarca uma espécie de emaranhado de decadências, de um non sense da humanidade. Na dimensão existencial, é construída por meio da ação desses personagens, trabalhadores industriais, catadoras de papel, funcionárias domésticas, que, afetados pelas ruínas e violências sociais, espraiam os espaços vazios, os silêncios, o que não é dito.
O trabalho de Juliana Capilé se configura como uma presença potencializadora do teatro mato-grossense. Por sua atuação não só como dramaturga, mas também como atriz, diretora e como uma pessoa que realiza, pesquisa e pensa o fazer teatral e a artesania da escrita dramatúrgica contemporâneos.
Carin Louro