Manauara radicado em Natal, ator, dramaturgo, diretor e gestor cultural, Henrique Fontes, como muitos dramaturgos nordestinos, foi um ator que começou a escrever para dar conta de uma necessidade dos grupos dos quais fazia parte, tanto por questões de direitos autorais envolvendo os textos contemporâneos como também por conta dos anseios dos grupos que, muitas vezes, não se viam representados, nem seus desejos, nos textos disponíveis para montagem.
Henrique Fontes esteve ao longo de sua trajetória vinculado a muitos grupos de teatro e o jogo de negociação envolvido no ato de escrever em um coletivo atravessa profundamente sua escrita. Um misto de afirmação do grupo e de sua própria perspectiva como autor, combinado a um elevado grau de altruísmo para dar conta dos desejos de quem estará em cena. Dentre os grupos dos quais fez parte estão o Clowns de Shakespeare (oito anos); Grupo Carmin (desde 2007 até dias atuais); Grupo Casa da Ribeira (desde 2008 até os dias atuais); Coletivo Atores à Deriva (oito anos); Grupo Beira de Teatro (cinco anos) e Maine Masque Co. (um ano).
Um de seus textos mais recentes, A invenção do Nordeste (2017), estreado pelo Grupo Carmin, conta a história de dois atores potiguares que participarão de um teste no Sudeste para um filme no qual deverão interpretar um personagem potiguar, e se preparam para a audição no contexto do próprio grupo. A partir desse motivo, é desenvolvida uma crítica acerca das expectativas de uma propaganda nacional sobre as pessoas que vivem na região Nordeste, complexificando a discussão ao evidenciar parte da propaganda assimilada por nós mesmos e o jogo colonial entre a região Sudeste e Nordeste. Colonialidade retroalimentada pela má distribuição dos recursos e pela manutenção de narrativas históricas desde a fundação do país.
O dramaturgo usa das angústias e impressões dos próprios atores e do grupo Carmin, colocando-as em diálogo com recortes de informações históricas que vão dando substância a todo o discurso. Essa peça, vencedora do Prêmio Shell na categoria melhor dramaturgia em 2019, traz um importante aspecto sobre a escrita de Henrique: o documental.
O seu interesse pelo documental nasce ao encontrar a frasqueira de Jacy. Um recipiente que carregava o nome de sua dona e seus objetos pessoais, alguns bastante íntimos, desperta no artista o desejo de ficcionalizar a história daqueles pertences, inventando uma Jacy a partir do que ela deixou como pistas. Essa viagem desembocou na peça intitulada Jacy, que estreou em 2013, e a Frasqueira de Jacy, em 2020, ambos pelo grupo Carmin.
Desde então, muito inspirado pelo trabalho da argentina Lola Arias, vem explorando os limites entre o documentário e a autoficção, tanto em sua escrita como em oficinas ministrada por ele, a exemplo da oficina realizada on-line, a convite do grupo Facetas Mutretas e outras Histórias, intitulada Dramaturgia Documental (oficina de teatro documental e dramaturgia à distância), no ano de 2020.
Em 2021, publicou o livro Dramaturgias do desejo, um compilado de três dramaturgias suas, escritas entre 2008 e 2021, alinhadas pela temática do desejo e do amor entre dois homens e suas implicações sociais e no sujeito: A mar aberto (2008), Eu e Vc (2019) e The Andy (2021).
A mar aberto conta a história de um pescador que descobre em alto-mar o desejo por um garoto da cidade e precisa, a partir de então, lidar com o assombro dessa revelação que faz a si mesmo, com a dúvida e com o segredo. A dramaturgia construída como uma narração em primeira pessoa criou um espaço em que o autor pôde dedicar tempo e lirismo à descrição do que se sente quando se deseja, e o jogo com os flashbacks cria dinâmica, colocando em cena os pescadores colegas de barco. Por outro lado, Eu e Vc mantém em cena apenas os dois atores que dão conta dos personagens principais, os outros aparecem apenas como menções ou como imaginários. Esse texto conta a história de dois amigos atores que nutrem uma paixão um pelo outro, mesmo enquanto seguem suas vidas paralelamente a esse desejo. A trajetória da relação deles é contada atravessada pela história do Brasil no período em que vivem: o jogo político, a propaganda fascista e a distância.
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Henrique Fontes faz de sua dramaturgia um espaço fértil para a elaboração de uma crítica social sem perder de vista a dimensão do sujeito. Sem ignorar o que assombra, o que consome, o que mobiliza os indivíduos, dando, por isso, um caráter multidimensional ao objeto de sua crítica.
Laís Machado