Gildon Oliveira, dramaturgo, roteirista e professor, enxerga o teatro como um experimento de liberdade. Talvez pela forma como se organiza a presença nesse ritual sacro-profano. Iniciou sua vida no teatro em Ilhéus, fazendo um pouco de tudo, como se produz teatro fora das capitais no Brasil em decorrência da desigualdade de distribuição dos recursos no país. Mas já nesse contexto, percebeu que se interessava particularmente pelo que se dizia em forma de texto.
Graduou-se na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), onde apresentou seu primeiro texto, Embrulhada, em 2002, uma obra inspirada no universo de Luiz Gonzaga e Ariano Suassuna. A partir desse momento, usa sua expertise adquirida nas artes cênicas tanto para a produção de dramaturgias quanto para roteiros, dando uma atenção especial à composição de personagens e diálogos – um dos aspectos mais refinados de sua produção. Gildon cria réplicas que aproximam o público dos personagens, que comovem, apresentam seus universos íntimos, mas que sobretudo movem a dramaturgia, evitando textos expositivos, e fugindo de qualquer tipo de subestimação de sua audiência.
Gildon escreve desejando criar um efeito imediato no público, e por isso aposta no gênero melodrama em sua produção, que se tornou, inclusive, objeto de pesquisa em seu doutoramento na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2018. Ao escrever, deseja despertar fortes emoções, criando um espaço no qual gostaria de lançar suas perguntas.
Em seus textos, a exemplo de Alfazema e suor, Olorum (indicado ao Prêmio Braskem de Teatro na categoria de melhor texto), Vermelho rubro amoroso… profundo, insistente e definitivo! (Prêmio Braskem de Teatro 2019), Quebra-queixo, Riso Sacana de canto de boca, busca repensar o protagonismo negro, o reposicionando dentro do gênero cômico e melodramático, fazendo o mesmo com personagens LGBTQIAP+. Em suas produções, tais pautas não são centrais em termos de estrutura dramática, mas são parte dos universos que constituem os personagens e seus dramas. Humanizando tais figuras, acrescentando-lhes camadas, múltiplas dimensões e pensando, dentro de uma estrutura dramática que podemos chamar de clássica, como os contextos de opressão aos quais somos submetidos, enquanto sociedade, operam em seus personagens, quer eles racionalizem sobre tais processos ou não.
Em Vermelho rubro amoroso… profundo, insistente e definitivo!, montado pelo grupo DIMENTI em 2019 com o título de Vermelho melodrama, um melodrama regado a juras de amor açucaradas, simulação de morte falsa, com sangue falso, e cartomantes, o relacionamento não professado pelos dois personagens masculinos centrais se dá por um arranjo familiar complicado, introspecção e até covardia. Não porque dois homens não poderiam se amar. Nesse momento é como se o público fosse envolvido pelo melodrama, com o final feliz do casal, mas fosse, ao mesmo tempo, afastado por um efeito de estranhamento ao notar a ausência da estrutura que justificaria esse amor não declarado, reconhecendo dessa forma a própria opressão que ali se apresentou como uma lacuna em sua percepção de realidade.
Um defensor da dramaturgia e dos roteiros (tanto de filmes como séries) serem vistos como literatura, Gildon se preocupa com o desaparecimento da memória da produção do teatro brasileiro, em principal negro-brasileiro, diante da ausência de publicações, ou reedições e remontagens. A exemplo de Oduvaldo Vianna Filho, uma de suas grandes referências ao lado de Nelson Rodrigues e Plínio Marcos.
Laís Machado