Fátima Ortiz é atriz, dramaturga, diretora, gestora cultural e arte educadora. Em 2021 completou 50 anos de trajetória artística e é uma das referências em teatro infantil no país, mas também produz teatro adulto. Já escreveu mais de 20 peças e mantém, desde 1995, a escola Pé no Palco, que é um dos espaços mais importantes de formação de atores na cidade de Curitiba. Possui 7 dramaturgias publicadas e mais de 20 encenadas.
As dramaturgias publicadas foram editadas pela Fundação Cultural de Curitiba: Na roda do sonhos (2021); O caminho do girassol (2008); Memórias do Palhaço Amoroso (2007); e a coletânea “Quatro textos de teatro para crianças”, em que constam as dramaturgias A história de Pã, Que história é essa?, Maria Pipoca e O olho d’água (1998).
Além de artista, Fátima mantém um percurso acadêmico profícuo: é graduada em Educação Artística pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Educação Artística pela Universidade Tuiutí do Paraná, Mestre em Teoria Literária pela Centro Universitário Campos de Andrade, com pesquisa intitulada Processos e percursos na escrita dramática para crianças: convergências entre o lúdico, o mágico e o real no texto “A roda dos sonhos”, e recentemente foi aceita no doutorado da mesma instituição.
O Pé no Palco – Atividades Artísticas é o espaço onde Fátima elabora sua metodologia de trabalho como arte-educadora. O espaço conta com cursos de formação livre para adultos, jovens e crianças, mas também possui uma companhia com mais de 10 espetáculos montados sob a direção de Fátima. Além disso, o Pé no Palco também mantém parceria com a Fundação Cultural de Curitiba, viabilizando ações socioeducativas na cidade.
Mas para falar da dramaturgia para infância escrita por Fátima Ortiz é necessário reforçar o nome de outros dois artistas: Enéas Lour e Rosy Greca. Eles foram parceiros da dramaturga no Grupo Fofum de 1976 a 1984. O primeiro é parceiro de Fátima também na vida e divide a autoria de algumas peças infantis, além de ser um dos principais dramaturgos de sua geração. Rosy, além de atuar com Fátima em vários espetáculos, é compositora e responsável por criar a trilha de todos os espetáculos infantis.
Fátima revela que “escrever é se jogar ao vento” e traz essa ludicidade e poesia para os textos que escreve para a infância. Ela conta que o material para produzir vem das lembranças de infância no quintal da casa da avó, em Curitiba. É a partir desse cenário de brincadeira e fantasia que a dramaturga pretende envolver as crianças: “Hoje me inquieta o volume de informações que a criança recebe a todo instante. Esse acúmulo é igualmente colocado aos pais e à escola, gerando um descompasso entre o saber natural (do tempo livre) e um saber impositivo (da pressa e compromissos). Abrir espaço para o fabular, dando sentido maior para a percepção das diferenças, da memória gravada nas paisagens, da realidade que pode se modificar, do espaço dos sonhos e da troca, poderá compensar as barreiras de acesso ao mundo sensível” (Fátima Ortiz).
É esse o movimento de Fátima em sua dramaturgia, trazer à tona outras noções de realidade, para além dessa que limita nossa experiência no mundo, através ora da imaginação, da fantasia, ora recorrendo à culturas silenciadas, como a cultura indígena e o uso do vocabulário tupi-guarani.
No que tange à estrutura das peças construídas por Fátima, há uma habilidade potente em elaborar narrativas de estrutura clássica e, ao mesmo tempo, atuais e interessantes. Todas as ficções são construídas a partir de uma delimitação evidente de uma ação. Encontramos o arco dramático que coloca os personagens em transformação e isso garante que os leitores/espectadores se coloquem em adesão à narrativa. Já o tempo e o espaço são construídos de forma a dar vazão à fantasia e ao mistério que Fátima indicou anteriormente. São esses os espaços que produzem um universo de abstração possível e a imaginação é alimentada e ampliada.
Mas acreditamos que o conceito de transformação seja a motivação real das dramaturgias de Fátima. Não somente no que tange ao conceito dramatúrgico aplicado à estrutura de suas peças, mas também como o impulso que gera o movimento no encontro com o público. Joanita Ramos, no prefácio da coletânea de Fátima, nos indica que os textos da autora apresentam “ricos ensinamentos – não em didatismos – voltados à ecologia, ao cultivo da amizade, ao cuidar de si e do outro”. Esses ensinamentos também podem ser lidos como dispositivos para a transformação, não de forma indicativa ou hierárquica, mas expansiva, através da imaginação e da poesia.
Em sua dissertação de mestrado, Fátima nos apresenta uma ideia de “convergência entre o lúdico, o mágico e o real no teatro”. Se o mágico e o lúdico nos parecem como universos próprios à imaginação infantil, o real, para além da função mimética do teatro, entra como impulsionador para as mudanças que o teatro pode gerar. Assim, a ficção transborda para atuações possíveis no mundo empírico: “Hoje, para pensarmos em arte e educação e sobre o lugar do teatro, devemos antes olhar para a história da humanidade como uma caminhada evolutiva. Podemos constatar que estamos dando um salto tríplice: novas fontes energéticas, novas formas de divisão do trabalho, novas formas de divisão do poder. Tudo isso somado às novas percepções acerca da repercussão da realidade virtual em nossas vidas. Essas transformações demandam uma nova forma de pensar o planeta, as relações humanas e o convívio criativo”. A obra de Fátima catalisa essas questões de maneira prática e evidente, sem deixar de ser lúdica e convidativa ao universo infantil.
Ligia Souza