O dramaturgo Douglas Rodrigues lançou em 2014 a trilogia O outro entre nós, que representou a região Norte no Festival Brasil Regional em São Paulo e Rio de Janeiro e abriu a cerimônia do XI Circuito de Teatro em Português, representando o Brasil ao lado de 20 outros países de língua portuguesa. A trilogia foi publicada em 2021 pela Prefeitura Municipal de Manaus. Composta pelos textos A estrada, Flecha borboleta e Casa d´água, ainda inédita nos palcos, a obra trata de fatos históricos ocorridos entre as décadas de 1950 e 1970 na região amazônica e as transformações sociais daí decorrentes. A estrada, escrita em 2014, é uma tragédia baseada em relatos reais de sobreviventes do massacre na aldeia waimiri-atroari durante a construção da BR-174 (Manaus – Boa Vista), em meio ao regime militar no Brasil. Já o épico da floresta Flecha borboleta, escrita em 2017, é inspirado na ópera Madame Buterfly, de Giacomo Puccini, e narra perigosas consequências do amor entre uma índia arqueira e um expedicionário americano, dialogando com o massacre de Haximu, julgado pela justiça brasileira no qual os réus foram condenados por genocídio. Por fim, o drama inédito Casa d’água foi escrito para o cinema e conta a história de uma casa que flutua na enchente histórica do rio Amazonas, em 1954, com uma filha, uma mãe e um homem encurralados por paredes frias e molhadas.
Douglas Rodrigues transita em suas pesquisas pelas histórias dos habitantes da Amazônia e a desintegração da identidade étnica e cultural da região. Temas como progresso, barbárie, batalhas entre índios e invasores, violência, alteridade, choques culturais e abusos sexuais são abordados em suas obras. “Minha obra é um pouco eu nesse vazio dilacerador, vendo a cidade se modificando, abandonando minhas raízes”.
Douglas acredita que a dramaturgia, arte de criar trama, diálogos e personagens, é uma excursão solitária. Ele busca inspiração na ironia e no deboche de Nelson Rodrigues e no retrato do submundo de Plínio Marcos, autores eternamente contemporâneos sob seu ponto de vista. Para ele, a dramaturgia precisa revelar as faces do Brasil, suas distintas linguagens, histórias e verdades. O papel e dever do dramaturgo não é sempre narrar fatos “reais”, mas revelar o “real imperceptível” da sociedade. Além de Nelson Rodrigues e Plínio Marcos, o alemão Bertold Brecht é também uma de suas principais referências, juntamente com Francisco Carlos, um itacoatiarense, nascido no interior do Amazonas, falecido recentemente, e o único do estado indicado ao Prêmio Shell pela escrita da obra Amantes da catedral Bêbada. Nomes como Ivam Cabral, Rodolfo García, Alexandra Dal Farra, Silvia Gomes e Newton Moreno também são inspirações para o autor, sobretudo por produzirem um trabalho que não se resume ao entretenimento de seu público, mas que se arriscam em estruturas nada cartesianas, que se permitem trafegar por uma multiplicidade de temas.
Para o autor, que durante os anos da pandemia de Covid-19 realizou trabalhos importantes como o Projeto Cênicas – Estúdio Repertório, a dramaturgia é o olhar de um artista sobre a sociedade: sempre começa com a vontade de dizer algo e termina sempre com “o que quero deixar para o espectador”. Seu trabalho começa com uma enorme vontade de produzir arte e termina no coração do público. Quem conhece o teatro sabe da sua efemeridade, que termina ali quando os trilhos da cortina se fecham. Quando é “bem-feito”, tatua na alma.
Gorete Lima