TRANSAMAZONICA
A ESTRADA QUE LEVA AO PARAISO
O convite à barbárie.
(Off, carro acelerando. Abre luz somente dos faróis da máquina, aumenta conforme intensidade da aceleração. Atrás é projetada uma densa floresta. Abre luz tênue sobre MADAMA e o JOVEM, ela puxa uma corda do alto do carro, parecendo um cavalo domado feito de lata moderna. Explode a música – FLORESTA DO AMAZONAS – de Villa Lobos, num deslumbre de encantamento. O carro está parado, deve-se criar uma atmosfera que leve ao movimento. MADAMA avança no caminho perdido rumo à floresta, bebe whisky e come biscoitos importados.)
MADAMA (extasiada)
Te levo para o éden, o paraíso perdido, meu amor.
Na BR, rumo ao desconhecido. Transa a Amazônica.
Depois que te conheci, enterrei meu passado.
Merda de passado!
Da velha AUGUSTA paulistana cansada de guerra, trago somente você.
Meu bofe, meu gigante, meu amor.
Te darei um paraíso, em troca quero ser amada.
(Mudança de tom, próximo, intimidade.) Fotografa minhas entranhas, vai.
Diz que me ama.
Bofe grande, guloso e devorador.
Acelera, vai. Acelera.
Estamos a 120 km por hora, na estrada.
Partimos, deixei para trás minhas cadelas sexuais. Filhas minhas.
Perdão filhas, minhas filhas. O casarão 102 em escombros,
cheios de fantasmas de putas velhas, destruídas.
Amigas infelizes de ventre frouxo.
(Agarra com loucura.) Não quero te perder, quero te guardar dos olhares cobiçantes dos
homens e mulheres da Augusta.
É minha propriedade, meu amor.
Vem comigo, estamos a caminho do paraíso verde.
The Road.
Pega, bebe um pouco de malte, bebida maltada à base de whisky.
Esquece teu passado.
JOVEM
Para onde me leva? Estamos há dois dias na estrada e não vejo
sinal de civilização. (Pausa) Tenho medo. Me abraça.
MADAMA (irônica)
Te tirei das ruas e numa estrada te coloquei.
Entre a rua e a estrada, parece que subiu de cargo ou estou enganada?!
Acelera, amado meu.
Avança no asfalto, vence teu medo.
Quero chegar ao paraíso, correr despida sem que ninguém observe.
Longe dos olhares enrugados das outras putas.
Infelizes putas, abandonadas.
Eu te amo, meu luxo, meu poder.
JOVEM
Cabelos longos, sujos.
Batons borrados, vermelho escarlate.
Amam pistolas de sexo.
Amam a fúria.
Gostam de ser enganadas.
Eu te amo, minha heroína.
Dependência, de ti e da heroína.
Eu achava que todas as prostitutas deveriam ser levadas num final de tarde pela mão da
morte.
Fria, enfeitada com grinalda de flores de laranjeiras.
Casa comigo, no meio do paraíso.
MADAMA
Onde é o paraíso? A estrada não tem fim...
JOVEM
Pensei que soubesse. (com violência) Está me levando para onde?
MADAMA (aborrecida)
Qualquer lugar é o paraíso!
OS MILITARES estão nas ruas, estão invadindo tudo, quebrando a cara das putas, trepar é proibido... Mês passado, duas meninas saíram com militares, nunca mais voltaram.
Depois de uma semana, ouviam-se gritos terríveis no casarão... Acelera, pisa forte nesse
acelerador, cospe gasolina no ventre desse tanque combustível, aumentando a velocidade
desse cavalo de metal, máquina mortal.
JOVEM
Estamos a 120 km por hora, o motor está quente, sai fumaça do ventre do nosso cavalo
de metal.
MADAMA
Passe meus olhos, longínquos penetrantes olhos.
Águia moderna, vê mais longe que a visão alcança.
O que vejo?
Uma floresta, um paraíso ou inferno?
Onde estamos?
Parece que o tempo parou, aqui é o fim ou o começo do mundo?
Onde estamos?
Bruxos? Fantasmas? Tem alguém aí?
(Fragmento de A estrada)