O cenário é Arcoverde, cidade do Sertão do Moxotó, a 257 km da capital pernambucana. O grupo Teatro de Retalhos surge em 2008, depois da experiência de um espetáculo montado no curso de iniciação ao teatro do Sesc Arcoverde. Nas cidades do interior pelo país afora, o Sesc ocupa um papel fundamental no incentivo à formação de artistas e à difusão das produções culturais. Em Arcoverde, essa realidade não é diferente. Para se ter ideia, no último censo do IGBE, em 2010, o município tinha 68.793 pessoas. Passados 12 anos da pesquisa, a cidade só possui dois teatros, o Teatro Geraldo Barros, reinaugurado em 2012, no prédio do Sesc, e um espaço alternativo na Estação de Cultura.
Nesse contexto, o grupo Teatro de Retalhos possui um trabalho continuado de investigação da comicidade e das máscaras cômicas, da palhaçaria e da linguagem circense, e é uma referência teatral no interior de Pernambuco. Criou espetáculos de rua e de palco, muitos deles com dramaturgia própria, que circularam por várias cidades do estado e participaram de festivais e mostras em Alagoas, no Ceará, no Espírito Santo, em Minas Gerais, no Maranhão, na Paraíba e em São Paulo. Djaelton Quirino, cofundador do grupo, ator, palhaço e diretor, assumiu a função de dramaturgo.
De início, foi uma necessidade que dizia respeito à trupe: montar textos próprios, com temas sobre os quais o grupo estava interessado em se aprofundar. Acumulando direção e atuação, Quirino escreveu os textos de Romeu e Julieta – Igual ao outro só que diferente (2012), Aquelas coisas (2014), Espavento (2016) e Malassombros – Contos do além Sertão (2017), esse último em parceria com Caroline Arcoverde, atriz e roteirista.
O processo de criação do dramaturgo no Teatro de Retalhos depende muito das circunstâncias da montagem. Alguns textos chegam à sala de ensaio quase prontos e são alterados ao longo das experimentações dos atores. É o caso, por exemplo, de Malassombros – Contos do além Sertão. Outros surgem da escuta das histórias contadas pelos companheiros de grupo, que vão sendo paulatinamente transformadas em dramaturgia num processo colaborativo, como em Espavento e no próximo projeto da companhia, que tem o título provisório de A antimáquina que sustenta o voo.
Neste ano de 2022, o grupo deve estrear também a peça Pindorama – Espetáculo teatral que poderia não ser. Em 2019, o texto ganhou o segundo lugar na categoria teatro adulto da quarta edição do Prêmio Ariano Suassuna de Dramaturgia, um dos únicos prêmios de dramaturgia do Nordeste. Quirino explorou a realidade política, econômica e social do Brasil. Criou um personagem que vivencia as agruras de viver em Pindorama, um lugar marcado pela desigualdade social, pelos problemas na saúde pública, pela educação voltada para metas e números de aprovação, pela cobrança excessiva de impostos.
Essa não foi a primeira vez que o autor ganhou o Prêmio Ariano Suassuna. Em 2018, levou o segundo lugar na categoria teatro para infância com Recital para revoar. Djaelton Quirino se inspirou no imaginário popular sobre alguns animais e escreveu uma aventura que trata do ciclo da vida, de responsabilidade e liberdade, de cultura de paz e do respeito à natureza.
Utilizando uma linguagem que se apropria de expressões populares e da prosódia do nordestino, o dramaturgo criou uma história dentro da história, com um humor que se desprende muito da interpretação literal do que é dito, o que gera alguma confusão entre os personagens. Quando o sagui (conhecido como “soin” na região) Tião questiona a galinha de angola Marieta se o público vai entender a história dentro da história, ela responde de pronto: “Não, dá pra entender, não tá danado!”. Se em alguns lugares pode soar estranho, no Nordeste a oração faz todo sentido e é compreendida sem dificuldade.
O desafio de criar as dramaturgias do Teatro de Retalhos instigou Djaelton Quirino, que passou a escrever para outros grupos e artistas. O coletivo mineiro Ovorini Carpintaria Cênica, de Sete Lagoas, montou Le Cirque Du Sónois (2020) e Estação Torret (2020). O texto Madalena, Eu, Madalena (2021) foi escrito para o palhaço Cabelim, vivido por Matheus Abel, da cidade de Afogados da Ingazeira, Sertão pernambucano.
Uma linha conceitual atravessa o trabalho de Quirino: a discussão sobre território e identidade. O autor escreve sobre as histórias contadas e acontecidas no Sertão, sobre a vida no interior, sobre as pessoas que habitam esse lugar. Em Procurado ou o homem que seguiu o sol (2020), o dramaturgo usa referências da história oficial do cangaço para criar uma ficção, acompanhando a jornada de um homem que queria fazer parte do bando de Lampião. Como noutros escritos, a prosódia é tão bem explorada a ponto de conferir uma musicalidade característica ao texto.
O autor possui dramaturgias inéditas, ainda sem previsão de serem montadas: Peixinho dourado (2011), Lumiar (2015), A farsa do Padre Simão (2016), O último Adão ou a noite escura da alma (2020), Procurado ou homem que seguia o sol (2020), Taumatrópio (2020) e Uma botija na padaria (2021). Além de escrever para teatro, Quirino tem enveredado pela escrita de roteiros de conteúdos diversos, como webséries, e está produzindo o roteiro de um curta-metragem intitulado A terrível história da moça que bateu na mãe e virou cachorra, que deve ser gravado no segundo semestre de 2022.
Pollyanna Diniz