Dione Carlos é dramaturga, roteirista e atriz. Dramaturga formada pela SP Escola de Teatro. Cursou Jornalismo na Universidade Metodista de São Paulo. Atua como dramaturga em parceria com cias de teatro. Possui vinte e cinco textos encenados dentro e fora do Brasil, em países como México, Estados Unidos, Inglaterra, Colômbia e Portugal. Foi orientadora artística do Núcleo de Dramaturgia da Escola Livre de Santo André e dramaturga convidada do projeto espetáculo da Fábrica de Cultura da Brasilândia por três anos. Ministra oficinas de dramaturgia pelo país. Foi convidada pela Embaixada do Brasil na Grécia para representar o Brasil no Dia Internacional da Língua Portuguesa, tendo palestrado no Museu da Acrópole em Atenas, em maio de 2019. Lançou seu primeiro livro em 2017, Dramaturgias do Front, com três peças. Em 2019, integrou a publicação Dramaturgia Negra, com o texto Ialodês, escrito para a Cia Capulanas de Arte Negra. Participa de diversas coletâneas. Possui seis livros publicados. Em 2021 foi selecionada pela Play Company (Cia de teatro de Nova Iorque), para uma residência artística do projeto Black Women Theatre Makers, que escolhe quatro artistas mulheres pelo mundo para as apoiarem em seus projetos. Como roteirista trabalhou no Sesc TV, em canais como Disney, GNT, Globoplay. Seu mais recente trabalho é Elza Infinita, documentário sobre Elza Soares, recentemente indicado como finalista no festival de cinema de Nova Iorque. Atualmente é autora e roteirista contratada pela Rede Globo.
Já escreveu mais de 25 dramaturgias, entre elas: Baguá (2010); Mátria (2010); Rubro (2012); Oriki (2013); Sereias (2013); Onã (2013); Dalí (2014); Titio (2015); Mamute (2015); Piscina (2016); Baquaqua (2016); Revoltar (2018); Narrativas em disputa – Sertanias (2019); Malungu, Ngoma vem – do ouro ao nióbio (2019); Matriarquia (2020) e Maria d’Apparecida: Luz Negra (2021). Na sua primeira publicação, Dramaturgias do Front (2017), encontramos os textos Sete; Kaim e Bonita. Fez parte da coletânea Dramaturgia negra, editada pela FUNARTE, com o texto Ialodês (2018). Publicou pela Glac Edições a dramaturgia Black Brecht (2020).
Realizou curadoria do projeto Dramaturgias 2 do SESC Ipiranga, realizado em 2019, dando foco para a produção das mulheres na história do teatro brasileiro. Além disso, é professora de dramaturgia, sendo orientadora na Escola Livre de Teatro em Santo André. Ministrou pelo Itaú Cultural o curso Dramaturgia Negra: A Palavra Viva, em 2020, com artistas de todo país.
Duas noções que parecem colaborar para a leitura da dramaturgia de Dione são a de Escrevivência de Conceição Evaristo e a de Afrografias de Leda Maria Martins. Essas duas concepções nos levam à máxima da dramaturga: “escrever é se inscrever”. Neste sentido, a produção de uma mulher negra não pode ser lida sem considerar sua condição. A inscrição da qual fala Dione nos convida a pensar sua dramaturgia a partir da possibilidade posta em cena de narrativas silenciadas pela sociedade patriarcal. Trata-se de ampliar vozes que resistem ainda na contemporaneidade. Para Dione, “voz não se dá, não se empresta, não se representa. Voz se amplia”. É neste sentido que ela afirma que a história do Brasil não foi contada. A dramaturgia da autora objetiva construir narrativas que dão espaço a imaginários pulsantes sobre uma cultura decolonial brasileira.
Essa é uma das possibilidades que evocam a dramaturgia de Dione. “E se Brecht fosse negro?” Esse questionamento nos joga para uma criação de futuro possível, ao mesmo tempo em que investiga o passado. A pesquisa da dramaturgia Black Brecht recorre a noções como afrofuturismo, afropolitanismo e afrotopia. O texto, então, se dá nesse movimento de Sankofa: passado e futuro se encontram num presente insistente. A pesquisadora Rosane Borges, no posfácio da publicação, indica que essa operação “mostra-se como um plano de emergência inescapável para a ascensão de fundamentos e matrizes quase sempre ignorados, silenciados, subalternizados”.
Eugênio Lima adiciona que “na escritura de Dione Carlos a poética extrapola os limites de tempo, clima ou nacionalidade. É um olhar sobre o futuro, carregando seus mortos, é ancestralidade contemporânea; nela a memória é feita de lacunas e são essas lacunas da diáspora negra que dizem quem somos e/ou do que fazemos parte. E sem impor, é ao mesmo tempo estrutural e fugidia, é o avesso do essencialismo sistemático – centro da desumanização, fruto da mentalidade colonizadora –, pois foi ele, o colonizador, que interditou a humanidade de todxs no mundo dos vivos. Colonialismo é nazismo, já dizia Aimé Césaire”.
Dione dá eco e ao mesmo tempo cria novas narrativas sobre a negritude. Neste sentido, suas dramaturgias pedem, evocam outras estruturas. A professora Leda Maria Martins nos indica a oralitura como uma forma de percepção das materialidades não literárias presentes nos acontecimentos, nos rituais da cultura popular afrodescendente. Ela analisa o congado como uma construção de narrativa, baseada na elaboração não verbal, que tem o corpo como dispositivo primordial da construção do saber.
Ialodês é uma dramaturgia que exemplifica essa noção criada pela professora Leda. O mito de uma sociedade matriarcal que luta para se manter viva através do prazer e do gozo aparece na escrita de maneira evidente, porém é a dimensão ritual que sustenta o texto. Pra que isso seja possível, observamos a criação de outras estruturas dramatúrgicas que não as delimitadas pela tradição aristotélica. Dione recorre aos ritos do candomblé para dar forma à dramaturgia. Não se trata de uma aplicação, mas sim de uma forma que é si mesma uma sabedoria ancestral, advinda do corpo e não do conhecimento lógico, impositivo e letrado.
Em 2019, o crítico e pesquisador Guilherme Diniz escreveu sobre o Manisfesta Cabocla, texto que Dione criou para a mostra Janela de Dramaturgia. Evocando o texto de Dione, ele reforça a figura da Cabocla como ícone para delinear o trabalho da dramaturga: “Ao longo do texto, a cabocla, esta atuante/persona feminina articuladora e aglutinadora de todo o discurso dramatúrgico, não é uma figura fixa, mas multifacetada, movente e dinâmica, associada, no texto, a diversas mulheres, como: Leda Martins, Conceição Evaristo, Lélia Gonzales, Carolina Maria de Jesus, Idylla Silmarovi, etc… O traço comum entre elas: são, cada qual a seu modo, subjetividades insurgentes; pensadoras e criadoras a desafiar as lógicas dominantes, costurando conhecimentos nas frestas. A cabocla textualizada por Dione Carlos é uma figura quimérica, não por ser monstruosa, mas por conjugar em si uma multiplicidade de formas e elementos, desestruturando os discursos homogeneizadores acerca do seu ser”.
Ligia Souza