bárbara pessoa

Salvador - BA

Fragmento Teatral

Após um tempo, Suzi levanta, pega as bolinhas e começa a jogar malabares. Kelly entra, senta-se no chão e a observa.

KELLY: Por que você não foi hoje?

Suzi ignora e continua jogando malabares. Nandinho entra e senta ao lado de Kelly.

KELLY (para Suzi): Ele tava olhando escondido, quando você tava arrumando suas coisas. Assim, com o zoião aberto. Parecia até que tava vendo um fantasma! (ri)

Suzi se aproxima de Nandinho e joga malabares para ele, como numa apresentação.

NANDINHO (apontando para o saco): Eu tava só olhando as coisas.

SUZI (tom dramático): Olhando meus objetos mágicos?

Kelly se anima. Após um tempo, Suzi para de jogar e agradece ao público, que é Nandinho. Suzi organiza os objetos no chão novamente.

SUZI (para Nandinho): Bem, já que agora você faz parte dessa casa, vou te apresentar nossos objetos mágicos.

KELLY (confusa): Eu também não conheço.

SUZI: Conhece, Kelly. Só não sabia que eram mágicos.
KELLY (convencendo-se rapidamente): Ah, é verdade.

SUZI: Mas hoje é o grande dia da revelação.

Suzi passa a representar uma personagem e adota atitude tranquila em cada gesto. Faz tudo dramaticamente para as plateias, que são tanto o público do espetáculo como Kelly e Nandinho, em cena. Suzi coloca duas cadeiras no centro do espaço, pega o espelho em cima do pequeno armário e o coloca em cima de uma das cadeiras. Suzi senta na outra cadeira, de frente para o espelho, e passa a pentear os cabelos vagarosamente, deixando-os bem-arrumados. Veste o modesto vestido, admirando suas partes (saia, alças), e anda pela sala de modo mais recatado que de costume. Suzi olha para as plateias, cumprimenta-as, sorri, segura a barra do vestido. Calça as meias e o tênis, com semelhante delicadeza, e guarda o restante dos objetos na mochila. Suzi coloca a mochila nas costas e caminha pela sala, encarando as plateias. Oferece olhar e sorriso serenos, singelos. Após um tempo, Suzi senta, pega um papel na mochila e faz, com ele, um aviãozinho. Brinca com o aviãozinho e caminha, sempre numa atitude performática para suas plateias, quase dançando. Suzi senta novamente, guarda o aviãozinho na mochila e pega umas fotos. Contempla as fotos com carinho, toca-as, coloca-as contra o peito e volta a guardá-las. Suzi levanta e volta a caminhar pela sala. Após um tempo e aos poucos, Suzi faz movimentos de dança que se aproximam do balé. Sempre cautelosos, suaves. Dança. Após um tempo, Suzi se dirige até a parede onde estão presos os vários espelhos. Olha a si mesma e para as plateias através dos espelhos, brinca.

SUZI (para Kelly e Nandinho): Toda revelação vem de um enigma decifrado. Já perceberam?

Kelly e Nandinho estão maravilhados e respondem afirmativamente com a cabeça.

SUZI (olhar misterioso): E hoje é o dia de decifrar dois enigmas. Pode ser?

Kelly e Nandinho não compreendem a pergunta.

SUZI: Prestem atenção! Vocês têm que decifrar dois mistérios hoje, combinado?

KELLY e NANDINHO: Combinado!

SUZI: Caso decifrem o primeiro, saberão qual é o segundo.

Kelly e Nandinho escutam Suzi com atenção.

SUZI: Primeiro enigma: qual mágica os meus objetos são capazes de fazer?

KELLY (levantando a mão): Muito fácil!

NANDINHO (também levantando a mão): Eu também sei.

SUZI: Muito bem. Quando eu falar “já”, os dois vão dizer as respostas juntos e aí eu falo se alguém acertou. (breve pausa) Qual mágica meus objetos são capazes de fazer? Um, dois, três e já!

KELLY e NANDINHO: Fazem crianças fantasmas parecerem crianças de verdade!

SUZI: Muito bem! (batendo e pedindo palmas) Palmas, por favor!

Kelly e Nandinho comemoram.

SUZI: Agora, o segundo enigma. Preparados?

Kelly e Nandinho estão entusiasmados. Suzi volta a se aproximar dos espelhos na parede, aponta-os e torna a olhar para Kelly e Nandinho.

SUZI: Hoje, eu deveria ter ido pra rua com minha mãe. (para Nandinho) Nas quintas-feiras, eu recebo uma proteção especial dos deuses fantasmas e, usando meus objetos mágicos, posso aparecer sob a luz do sol.

KELLY: Bonito isso...

SUZI: Mas, hoje, minha mãe me disse “não” e eu fiquei chateada, já que é na rua que encontro os objetos mágicos. (misteriosa) Agora me dou conta que minha mãe, sábia, me deixou em casa para que eu pudesse ter essa conversa com vocês. (para o alto) Obrigada, deuses fantasmas, pela sabedoria alcançada.

Kelly e Nandinho olham também para o alto, procurando algo.

SUZI (apontando para a parede): Esses espelhos grandes, pequenos, não estão quebrados, como vocês pensam. Eles são partes de um quebra-cabeça. (pausa) Se vocês conseguirem montar o quebra-cabeça, ganham um prêmio.

Kelly e Nandinho reagem euforicamente.

SUZI: Se vocês montarem o quebra-cabeça, a gente deixa de ser fantasma e vai morar numa casa de verdade. (breve pausa) Cada um na sua.

NANDINHO (eufórico com a informação): Se a gente montar o quebra-cabeça, a gente deixa de ser fantasma?

SUZI: Exatamente. E deixa de morar nessa casa fantasma, claro.

KELLY: Eu achei que a gente gostasse de ser fantasma.

SUZI: Nada é pra sempre. Crianças de verdade podem fazer coisas que crianças fantasmas não podem.

NANDINHO: Eu não quero ser uma criança fantasma pra sempre.

KELLY: Sim, meu filho, nem eu.

SUZI: Então, é muito simples: basta montarem o quebra-cabeça!

KELLY (para Suzi): Se foi você que achou as peças, por que você mesma não monta?

SUZI: Porque o meu papel é entregar o enigma a vocês. (apontando os espelhos) Então, se querem deixar de ser fantasmas e ir morar numa casa de verdade, olhem bem pra eles!

NANDINHO: A gente precisa saber o que os espelhos formam.

Silêncio.

SUZI (atrapalhada): Como assim?

NANDINHO: Como assim “como assim”? Quando a gente terminar de montar o quebra-cabeça, qual forma ele vai ter? Um carro? Uma nave? Um...?

SUZI (improvisando): Uma casa, né?

KELLY e NANDINHO (sonhadores): Uma casa...

NANDINHO (indo em direção aos espelhos): Vamos, Kelly!

SUZI: Calma, Nandinho! Primeiro, vocês devem observar os espelhos por uns dias. Eu vou ser avisada pelos deuses fantasmas quando for a hora de montar o quebra-cabeça.

Silêncio. Kelly e Nandinho observam os espelhos na parede.

SUZI: Certo?

Kelly e Nandinho continuam a observar os espelhos na parede, em silêncio.

(Fragmento de Noite com Sol)

Bárbara Pessoa é dramaturga, pesquisadora, professora e crítica de teatro.

ouça a entrevista:

Apresentação Critica

Bárbara Pessoa é dramaturga, professora e  crítica teatral. Licenciada em Teatro pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), atua no cenário profissional de Salvador desde 2010. Em 2017, pela mesma universidade, recebeu o título de Mestra em Artes com a dissertação Texto dramático e educação: uma esfinge de decifração infinita.

Durante sua graduação, Bárbara participou do grupo de extensão de Criação Dramatúrgica, fundado e coordenado pelo dramaturgo e professor Marcos Barbosa. Além de selecionar e organizar a publicação das dramaturgias dos alunos envolvidos no projeto, Barbosa criou o minifestival de dramaturgia 4 Cravos Para Exú, no qual Bárbara Pessoa estreou sua primeira peça intitulada Pensando bem, em 2010. Outros dramaturgos que participaram do mesmo projeto foram Cristiane Barreto, com o texto Meninas de short e sem rosto; Tássio Ferreira, com o texto Cipriano; e Gildon Oliveira, com o texto Alfazema e suor.

No texto Pensando bem, Bárbara apresenta o cotidiano de um jovem casal, dando ao público acesso aos seus pensamentos na forma de dois personagens autônomos. Um texto cômico que convoca o público a refletir acerca das inseguranças fantasmagóricas existentes em um relacionamento, nesse jogo infinito com as expectativas que o sustentam. Apesar de a dramaturgia de Bárbara Pessoa ter se transformado muito no decorrer de sua experiência, essa estreia apresenta o que poderíamos chamar de uma assinatura poética da dramaturga: a crítica elaborada a partir do que é aparentemente banal.

O interesse de Bárbara pelo cotidiano e a acidez de seu humor transformam seus textos em ferramentas poderosas de análise acerca da materialização das dinâmicas de poder nas relações interpessoais e diárias. E para dar substância a esse jogo, a dramaturga investe na complexidade de seus personagens, tornando-os críveis enquanto humanos e familiares à sua audiência. O que acaba por gerar diálogos substanciais e pouco ilustrativos, estimulando uma relação ativa do público com o objeto de sua crítica.

No ano de 2011, Bárbara Pessoa é convidada a participar do Teatro Base – Grupo de Pesquisas sobre o método do ator, onde atua como dramaturga da primeira obra do grupo, intitulada Arbítrio (Prêmio Braskem 2011). Essa dramaturgia foi construída em sala de ensaio, com textos de Bárbara Pessoa, Diego Araúja (também diretor do espetáculo), e inserts de adaptações de textos canônicos, dentre eles Shakespeare, Dostoievski, Lorca e Calderón de La Barca.

De volta a Dostoievski, a dramaturga assina a adaptação do romance Os demônios, que estreia no Teatro Vila Velha com direção de Daniel Guerra. A primeira versão da adaptação estreou em 2018 e a segunda em 2019. A relação da artista com adaptações de romances nos mostra a dedicação à ação dramática em seu trabalho. Essa é a ferramenta que usa para selecionar o que manter da poesia, presente em um romance como Os demônios, por exemplo. Talvez por influência de sua escola, seus textos apresentam uma inegável praticidade e objetividade, mas com espaços de respiro que, por vezes, nos permitem rir de sua secura.

Bárbara Pessoa foi colunista da Revista Barril escrevendo críticas teatrais entre os anos de 2016 e 2018. Na revista, publicou, em 2020, um experimento dramatúrgico intitulado 5 diálogos contemporâneos de uma dramaturgia em pandemia. Nesse texto, Bárbara desloca as dúvidas e incertezas a respeito do vírus, muito presentes no início da pandemia, para contextos sociais distintos, evidenciando o peso das desigualdades no Brasil diante das escolhas individuais dos protocolos de proteção e cuidado. Durante a pandemia, em 2021, finalizou também o texto Noite com Sol, ainda inédito.

No cinema, concluiu, no ano de 2021, a Formação de Roteiristas da Escola de Formação para Roteiristas de São Paulo. Colaborou com esquetes para o Polo Audiovisual (PODA), projeto do ator baiano Alan Miranda, e está desenvolvendo seu primeiro roteiro cinematográfico.

Laís Machado

Bárbara Pessoa é dramaturga, pesquisadora, professora e crítica de teatro.

Bárbara Pessoa é dramaturga, professora e  crítica teatral. Licenciada em Teatro pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), atua no cenário profissional de Salvador desde 2010. Em 2017, pela mesma universidade, recebeu o título de Mestra em Artes com a dissertação Texto dramático e educação: uma esfinge de decifração infinita.

Durante sua graduação, Bárbara participou do grupo de extensão de Criação Dramatúrgica, fundado e coordenado pelo dramaturgo e professor Marcos Barbosa. Além de selecionar e organizar a publicação das dramaturgias dos alunos envolvidos no projeto, Barbosa criou o minifestival de dramaturgia 4 Cravos Para Exú, no qual Bárbara Pessoa estreou sua primeira peça intitulada Pensando bem, em 2010. Outros dramaturgos que participaram do mesmo projeto foram Cristiane Barreto, com o texto Meninas de short e sem rosto; Tássio Ferreira, com o texto Cipriano; e Gildon Oliveira, com o texto Alfazema e suor.

No texto Pensando bem, Bárbara apresenta o cotidiano de um jovem casal, dando ao público acesso aos seus pensamentos na forma de dois personagens autônomos. Um texto cômico que convoca o público a refletir acerca das inseguranças fantasmagóricas existentes em um relacionamento, nesse jogo infinito com as expectativas que o sustentam. Apesar de a dramaturgia de Bárbara Pessoa ter se transformado muito no decorrer de sua experiência, essa estreia apresenta o que poderíamos chamar de uma assinatura poética da dramaturga: a crítica elaborada a partir do que é aparentemente banal.

O interesse de Bárbara pelo cotidiano e a acidez de seu humor transformam seus textos em ferramentas poderosas de análise acerca da materialização das dinâmicas de poder nas relações interpessoais e diárias. E para dar substância a esse jogo, a dramaturga investe na complexidade de seus personagens, tornando-os críveis enquanto humanos e familiares à sua audiência. O que acaba por gerar diálogos substanciais e pouco ilustrativos, estimulando uma relação ativa do público com o objeto de sua crítica.

No ano de 2011, Bárbara Pessoa é convidada a participar do Teatro Base – Grupo de Pesquisas sobre o método do ator, onde atua como dramaturga da primeira obra do grupo, intitulada Arbítrio (Prêmio Braskem 2011). Essa dramaturgia foi construída em sala de ensaio, com textos de Bárbara Pessoa, Diego Araúja (também diretor do espetáculo), e inserts de adaptações de textos canônicos, dentre eles Shakespeare, Dostoievski, Lorca e Calderón de La Barca.

De volta a Dostoievski, a dramaturga assina a adaptação do romance Os demônios, que estreia no Teatro Vila Velha com direção de Daniel Guerra. A primeira versão da adaptação estreou em 2018 e a segunda em 2019. A relação da artista com adaptações de romances nos mostra a dedicação à ação dramática em seu trabalho. Essa é a ferramenta que usa para selecionar o que manter da poesia, presente em um romance como Os demônios, por exemplo. Talvez por influência de sua escola, seus textos apresentam uma inegável praticidade e objetividade, mas com espaços de respiro que, por vezes, nos permitem rir de sua secura.

Bárbara Pessoa foi colunista da Revista Barril escrevendo críticas teatrais entre os anos de 2016 e 2018. Na revista, publicou, em 2020, um experimento dramatúrgico intitulado 5 diálogos contemporâneos de uma dramaturgia em pandemia. Nesse texto, Bárbara desloca as dúvidas e incertezas a respeito do vírus, muito presentes no início da pandemia, para contextos sociais distintos, evidenciando o peso das desigualdades no Brasil diante das escolhas individuais dos protocolos de proteção e cuidado. Durante a pandemia, em 2021, finalizou também o texto Noite com Sol, ainda inédito.

No cinema, concluiu, no ano de 2021, a Formação de Roteiristas da Escola de Formação para Roteiristas de São Paulo. Colaborou com esquetes para o Polo Audiovisual (PODA), projeto do ator baiano Alan Miranda, e está desenvolvendo seu primeiro roteiro cinematográfico.

Laís Machado

Após um tempo, Suzi levanta, pega as bolinhas e começa a jogar malabares. Kelly entra, senta-se no chão e a observa.

KELLY: Por que você não foi hoje?

Suzi ignora e continua jogando malabares. Nandinho entra e senta ao lado de Kelly.

KELLY (para Suzi): Ele tava olhando escondido, quando você tava arrumando suas coisas. Assim, com o zoião aberto. Parecia até que tava vendo um fantasma! (ri)

Suzi se aproxima de Nandinho e joga malabares para ele, como numa apresentação.

NANDINHO (apontando para o saco): Eu tava só olhando as coisas.

SUZI (tom dramático): Olhando meus objetos mágicos?

Kelly se anima. Após um tempo, Suzi para de jogar e agradece ao público, que é Nandinho. Suzi organiza os objetos no chão novamente.

SUZI (para Nandinho): Bem, já que agora você faz parte dessa casa, vou te apresentar nossos objetos mágicos.

KELLY (confusa): Eu também não conheço.

SUZI: Conhece, Kelly. Só não sabia que eram mágicos.
KELLY (convencendo-se rapidamente): Ah, é verdade.

SUZI: Mas hoje é o grande dia da revelação.

Suzi passa a representar uma personagem e adota atitude tranquila em cada gesto. Faz tudo dramaticamente para as plateias, que são tanto o público do espetáculo como Kelly e Nandinho, em cena. Suzi coloca duas cadeiras no centro do espaço, pega o espelho em cima do pequeno armário e o coloca em cima de uma das cadeiras. Suzi senta na outra cadeira, de frente para o espelho, e passa a pentear os cabelos vagarosamente, deixando-os bem-arrumados. Veste o modesto vestido, admirando suas partes (saia, alças), e anda pela sala de modo mais recatado que de costume. Suzi olha para as plateias, cumprimenta-as, sorri, segura a barra do vestido. Calça as meias e o tênis, com semelhante delicadeza, e guarda o restante dos objetos na mochila. Suzi coloca a mochila nas costas e caminha pela sala, encarando as plateias. Oferece olhar e sorriso serenos, singelos. Após um tempo, Suzi senta, pega um papel na mochila e faz, com ele, um aviãozinho. Brinca com o aviãozinho e caminha, sempre numa atitude performática para suas plateias, quase dançando. Suzi senta novamente, guarda o aviãozinho na mochila e pega umas fotos. Contempla as fotos com carinho, toca-as, coloca-as contra o peito e volta a guardá-las. Suzi levanta e volta a caminhar pela sala. Após um tempo e aos poucos, Suzi faz movimentos de dança que se aproximam do balé. Sempre cautelosos, suaves. Dança. Após um tempo, Suzi se dirige até a parede onde estão presos os vários espelhos. Olha a si mesma e para as plateias através dos espelhos, brinca.

SUZI (para Kelly e Nandinho): Toda revelação vem de um enigma decifrado. Já perceberam?

Kelly e Nandinho estão maravilhados e respondem afirmativamente com a cabeça.

SUZI (olhar misterioso): E hoje é o dia de decifrar dois enigmas. Pode ser?

Kelly e Nandinho não compreendem a pergunta.

SUZI: Prestem atenção! Vocês têm que decifrar dois mistérios hoje, combinado?

KELLY e NANDINHO: Combinado!

SUZI: Caso decifrem o primeiro, saberão qual é o segundo.

Kelly e Nandinho escutam Suzi com atenção.

SUZI: Primeiro enigma: qual mágica os meus objetos são capazes de fazer?

KELLY (levantando a mão): Muito fácil!

NANDINHO (também levantando a mão): Eu também sei.

SUZI: Muito bem. Quando eu falar “já”, os dois vão dizer as respostas juntos e aí eu falo se alguém acertou. (breve pausa) Qual mágica meus objetos são capazes de fazer? Um, dois, três e já!

KELLY e NANDINHO: Fazem crianças fantasmas parecerem crianças de verdade!

SUZI: Muito bem! (batendo e pedindo palmas) Palmas, por favor!

Kelly e Nandinho comemoram.

SUZI: Agora, o segundo enigma. Preparados?

Kelly e Nandinho estão entusiasmados. Suzi volta a se aproximar dos espelhos na parede, aponta-os e torna a olhar para Kelly e Nandinho.

SUZI: Hoje, eu deveria ter ido pra rua com minha mãe. (para Nandinho) Nas quintas-feiras, eu recebo uma proteção especial dos deuses fantasmas e, usando meus objetos mágicos, posso aparecer sob a luz do sol.

KELLY: Bonito isso...

SUZI: Mas, hoje, minha mãe me disse “não” e eu fiquei chateada, já que é na rua que encontro os objetos mágicos. (misteriosa) Agora me dou conta que minha mãe, sábia, me deixou em casa para que eu pudesse ter essa conversa com vocês. (para o alto) Obrigada, deuses fantasmas, pela sabedoria alcançada.

Kelly e Nandinho olham também para o alto, procurando algo.

SUZI (apontando para a parede): Esses espelhos grandes, pequenos, não estão quebrados, como vocês pensam. Eles são partes de um quebra-cabeça. (pausa) Se vocês conseguirem montar o quebra-cabeça, ganham um prêmio.

Kelly e Nandinho reagem euforicamente.

SUZI: Se vocês montarem o quebra-cabeça, a gente deixa de ser fantasma e vai morar numa casa de verdade. (breve pausa) Cada um na sua.

NANDINHO (eufórico com a informação): Se a gente montar o quebra-cabeça, a gente deixa de ser fantasma?

SUZI: Exatamente. E deixa de morar nessa casa fantasma, claro.

KELLY: Eu achei que a gente gostasse de ser fantasma.

SUZI: Nada é pra sempre. Crianças de verdade podem fazer coisas que crianças fantasmas não podem.

NANDINHO: Eu não quero ser uma criança fantasma pra sempre.

KELLY: Sim, meu filho, nem eu.

SUZI: Então, é muito simples: basta montarem o quebra-cabeça!

KELLY (para Suzi): Se foi você que achou as peças, por que você mesma não monta?

SUZI: Porque o meu papel é entregar o enigma a vocês. (apontando os espelhos) Então, se querem deixar de ser fantasmas e ir morar numa casa de verdade, olhem bem pra eles!

NANDINHO: A gente precisa saber o que os espelhos formam.

Silêncio.

SUZI (atrapalhada): Como assim?

NANDINHO: Como assim “como assim”? Quando a gente terminar de montar o quebra-cabeça, qual forma ele vai ter? Um carro? Uma nave? Um...?

SUZI (improvisando): Uma casa, né?

KELLY e NANDINHO (sonhadores): Uma casa...

NANDINHO (indo em direção aos espelhos): Vamos, Kelly!

SUZI: Calma, Nandinho! Primeiro, vocês devem observar os espelhos por uns dias. Eu vou ser avisada pelos deuses fantasmas quando for a hora de montar o quebra-cabeça.

Silêncio. Kelly e Nandinho observam os espelhos na parede.

SUZI: Certo?

Kelly e Nandinho continuam a observar os espelhos na parede, em silêncio.

(Fragmento de Noite com Sol)