Alexandre Ribondi é capixaba radicado em Brasília desde o final da década de 1960. Como a maioria dos candangos vivendo na cidade àquela altura, vinha de algum outro canto do país em busca de oportunidades na capital recém-construída. Sua estreia como dramaturgo aconteceu em 1979, com a montagem do texto Filó brasiliense. A trajetória de Ribondi, que também atua e dirige, é pioneira na consolidação da cena de uma cidade ainda jovem e na constituição da própria cidade e suas simbologias, inscrevendo-o na mesma geração de Hugo Rodas, Iara Pietricovsky, Guilherme Reis, Oswaldo Montenegro, Humberto Pedrancini, Lauro Nascimento, Murilo Eckhartd, Aloísio Batata, Fernando Villar, conhecida como geração insistencialista.
Sua dramaturgia é marcada pelo debate em torno da representação dos múltiplos aspectos da cultura queer e, de certa forma, pelo modo como essa temática foi abordada na virada do século na capital brasileira. Durante o período do regime militar, Ribondi integrou o conselho editorial do jornal alternativo Lampião e participou do primeiro grupo gay organizado de Brasília, o Beijo Livre. Em Grepe Suzette, o beijo da grapete (1981), que Ribondi escreveu com Marcos Bagno ainda no início de sua carreira, seu interesse de colocar em cena a diversidade sexual apareceu para se tornar um aspecto recorrente em sua obra, como veremos depois em No verão de 62 (1986), O descobrimento de Américo (1992), Virilhas (2007) e Sexo aos 60 – se minhas rugas falassem (2017).
As peças de Ribondi são, em sua maioria, dirigidas pelo próprio autor e apresentadas de forma independente em teatros comerciais da cidade. Por meio de diálogos e situações inusitadas, com piadas rápidas e ácidas, sua escrita transita espontaneamente entre o humor e o escracho ao abordar temas densos, como a morte. Na narrativa de A última vida de um gato, por exemplo, dois vizinhos com o mesmo nome se conhecem num contexto absurdo: um deles sonha nitidamente, durante três dias seguidos, com a morte do outro. O absurdo da situação, que é reforçado por Ribondi em uma composição intencional de contrastes, engaja o espectador e o conduz até o desfecho, revelando camadas sutis das personagens neste processo de conhecer um ao outro.
A montagem do texto Cru, em 2009, materializa a virada na produção de Ribondi para uma atmosfera mais introspectiva, na qual a imagem do confinamento é recorrente – como já podíamos ver em Virilhas (2007) –, configurando uma nova vertente em sua dramaturgia, caracterizada pelo resgate de experiências cotidianas e personagens que vivem em nosso tempo com relações complicadas e cheias de conflitos, memórias e medos do passado. Em Cru, os bons diálogos e a consistente composição psicológica das personagens Zé, Cunha e Frutinha prevalecem. O ambiente é hostil, assim como a forma com que elas se relacionam. No enredo, o pastor evangélico Zé procura o matador de aluguel Cunha para contratar seus serviços. Não há referências geográficas, mas sabe-se que a ação se passa em um açougue, estado cru da violência em vitrine que poderia estar à beira de qualquer estrada no Brasil. O texto, que recebeu o Prêmio SESC do Teatro Candango de Melhor Dramaturgia em 2010, ganhou também uma versão cinematográfica homônima dirigida por Jimi Figueiredo e estrelado pelos atores Chico Sant’Anna, Sérgio Sartório e Vinícius Ferreira, os mesmos de sua versão original para teatro.
Ribondi possui uma obra volumosa, que conta com mais de quarenta textos escritos e encenados no Brasil, e também em Portugal, Itália e Bolívia. Sua produção entre os anos 2010 e 2020 inclui ainda Uma ilha para três (2015), Depois desse dia feliz (2016), Azul da Prússia (2017) e WC na Câmara dos Deputados (2019). A atuação de Ribondi como ator e diretor em Brasília cria contexto para que seu trabalho entre em contato com diversas gerações de atores e atrizes da cidade, deixando evidente sua relevância na formação e na busca de uma identidade para Brasília e para um dos muitos teatros brasilienses possíveis.
Glauber Coradesqui