Wlad Lima, mulher essencialmente de teatro, inegavelmente referência como atriz, diretora, dramaturga, artista-pesquisadora. Pode-se afirmar que ela fez escola, devido a tantos atores, atrizes, artistas formados em suas aulas, desde os cursos técnicos à pós-graduação em Artes da Universidade Federal do Pará. Uma vida dedicada ao teatro. Transita pelos mais variados temas da área, sempre foi ativista, no sentido de questionar, propor, fazer diferença. Para não me estender em todos os anos de sua atuação como atriz, destaco que é uma das fundadoras do Grupo Cuíra, em atividade há quatro décadas no teatro paraense. Nesse grupo, tem participação ativa, seja como atriz ou diretora de espetáculos.
Outros destaques do seu trabalho são as práticas de teatro de porão, teatro ao alcance do tato, teatro em espaços alternativos, inclusive dentro de ônibus, com o espetáculo Auto do coração (2015). Este espetáculo foi um acontecimento, as pessoas indo e vindo de seus trabalhos se deparavam com um belo ônibus enfeitado, que parava nos pontos de ônibus para apanhar uma atriz, naturalmente caracterizada, e seguia. Os embarcados nesse transporte se deleitavam com as falas das atrizes, contando de suas experiências amorosas, uma experiência cênica inesquecível para os artistas e para nós, público! Nos dias atuais, continua com o teatro alternativo desenvolvido no Coletivas Xoxós, idealizado por ela e pela também dramaturga, artista-pesquisadora, Andréa Flores. Teatro alternativo tanto nos temas quanto nos espaços onde as peças são encenadas. Ao ler os textos de Wlad Lima, densos e leves, ao mesmo tempo, somos remetidos(as) a autoras de escritas profundas, a exemplo de Clarice Lispector e Hilda Hilst. Temas como infância, memória, preconceitos, discriminações das mais diversas naturezas, tudo é matéria para sua tessitura. A partir da escrita em várias modalidades literárias, conto, crônica, poema, em seguida, ela os recria para a cena, em suas bioescrituras ou escrevivências, numa referência a Conceição Evaristo.
Sua dramaturgia e seus temas são provocadores, socos no estômago, clariceanos, sem dúvida. Ela não recorre a muitas metáforas, não poupa o leitor/espectador. Ouso afirmar que sua poética escrita seria poeticamente desafiadora, triste e bela ao mesmo tempo, pois, ao tratar de temas normalmente ocultados pela sociedade, ela recorre às suas vivências em situações atravessadas por risos ácidos, naturalmente permeadas pela invenção, e as joga no palco, seja textos de outros autores, seja seus próprios textos, a exemplo do mEU pOEMA iMUNDO levado à cena em 2019, na inauguração do Teatro do Desassossego.
Desassossego, eis um dos motes que a movem. Essa dramaturgia poema imundo reafirma outra prática da artista, Teatro de Porão de Belém do Pará. Este teatro alternativo se configura como possibilidade de realização de espetáculos intimistas, no qual Wlad encontrou um jeito muito particular de responder, denunciar ou provocar a falta de investimento, apoio e manutenção de espaços tradicionais de teatro. Falar da dramaturgia de Wlad Lima, é falar de temas espinhosos, profundos, incomodamente humanos, mas trabalhados, por vezes, com leveza e bom humor. Tais especificidades de sua escrita, tornam seus textos, suas atuações inesquecíveis. Para essa artista, o mundo, as vivências, suas e de outrem, são traduzidas em cenas.
A nós, parece que Wlad exercita, diuturnamente, a observação do próprio cotidiano, a exemplo das cenas contidas no texto mEUpOEMA iMUNDO. As vivências das demais pessoas também podem ser matéria da escrita, para isso exercita a escuta atenta e, para nos presentear, devolve sua prática saudavelmente voyeurista e repleta de (re)criações nos palcos!
Bene Martins