christiane jatahy

Rio de Janeiro - RJ

Fragmento Teatral

Ela se levanta e fala diretamente para o público.

Esta peça é o fechamento de uma trilogia e no final de todos os trabalhos, nós, através
de mim, sempre falamos sobre o que realmente nos move em cada criação.
No texto do Macbeth, depois que ele enlouquece no final da cena do banquete, no
terceiro ato da peça, ele acaba revelando a verdade sobre seus atos na frente de todos,
não é mais possível esconder o horror daquele momento. Então Lady Macbeth pede que
todos saiam juntos.
Aqui, agora, neste momento, também nós estamos diante do horror dos tempos
sombrios em que vivemos. Dá vontade de sair, não é? Eu pelo menos tenho essa
vontade. Se a gente pudesse sair disso, se a gente pudesse mudar... Mas como a gente
faz para mudar? De novo a gente faz a mesma pergunta: “De verdade, como a gente faz
para mudar?” No final da peça Julia, em que eu faço a Julia, eu dizia que o que a gente
ia ver ainda era o final do Strindberg. Hoje, aqui, nos voltando para o texto do
Shakespeare, na profecia das bruxas, elas dizem que somente quando o bosque andasse,
de Birnam até Dunsinane, Macbeth iria perder o poder.

Procura o livro na bolsa.
Pede ajuda a alguém do público para ler um trecho com ela.
Ela lê Macbeth, alguém do público lê o Mensageiro.


MENSAGEIRO: Majestade, deveria eu contar o que estou certo que vi, porém não sei
como fazê-lo.
MACBETH: Vamos, fala.
MENSAGEIRO: Estando eu de sentinela, no alto da colina, volvi os olhos, eis que vejo
mover a floresta.
MACBETH: Mentes, miserável.
MENSAGEIRO: Desabe sobre mim a vossa cólera, real senhor, se isso não for verdade.
Repito, é uma floresta que anda.

Ela agradece e pega o livro de volta.

Por trás de cada arbusto, de cada galho, havia um homem que o segurava, e eram tantos
que queriam mudar aquela história que uma floresta andou.

As telas se movem, as vozes gravadas das leituras do público sobrepõem-se a um coro
de vozes e música. As telas vão chegando cada vez mais perto. Uma câmera no alto das
telas mostra o público. No fundo, a house mix está acesa, todos somos vistos. Júlia
coloca o solitário e sangue na boca. Ela é filmada em um close bem fechado. Da boca
escorre o sangue, do sangue sai o solitário. Em off, o texto.

“Sangra, perece, pobre pátria! Nosso país, curvado ao jugo, chora e se esvai em sangue.
E a cada novo dia uma punhalada vem juntar-se aos golpes recebidos.”

O volume da música aumenta. A câmera sobe para os olhos dela. Apenas os olhos e
nós. Blecaute. As telas voltam para o lugar inicial. Ouvimos de novo as vozes dos
entrevistados. As imagens dos documentários nas quatro telas voltam a ser projetadas.
As luzes se acendem aos poucos.
Recomeço.
Fim.


(Fragmento de A floresta que anda)

Christiane Jatahy é dramaturga, diretora teatral e cineasta.

Apresentação Critica

Christiane Jatahy é uma das artistas do teatro brasileiro que mais tem reconhecimento no cenário internacional atualmente. É artista associada do Odéon-Théâtre de L’Europe (França), do CENTQUATRE-PARIS (França), da Schauspielhaus Zürich (Suíça), do Arts Emerson Boston (EUA) e do Piccolo Teatro di Milano (Itália). Em 2018, foi a convidada da Bienal Artista na Cidade, de Lisboa. É a primeira brasileira a dirigir uma peça na Comédie-Française. Em 2022, recebeu o Leão de Ouro na Bienal de Veneza pelo conjunto da sua obra. Suas peças têm circulado fora do país desde a montagem de A falta que nos move, peça de 2005 que se desdobrou em criação cinematográfica.

Foi no Rio de Janeiro que Jatahy iniciou a sua carreira. Trabalhou como atriz nos anos 1980 com o grupo Mergulho no Trágico e começou a dirigir nos anos 1990. Sua formação como dramaturga tem estreita relação com o autor e pesquisador espanhol José Sanchis Sinisterra, com quem estudou e trabalhou. Suas primeiras encenações foram realizadas a partir de clássicos do universo infantojuvenil, o que evidencia um desejo de escrever a cena a partir de materiais prévios, de se posicionar criativamente diante de um legado da cultura. Peter Pan (1996), Alice (1998) e Pinóquio (1999) compunham a Trilogia da Iniciação. As peças foram realizadas com o Grupo Tal, composto por ela, Marcelo Lipiani e um elenco de 20 artistas. O fato de que estes espetáculos foram criados no icônico e cinematográfico Parque Laje já aponta uma disposição para o enfrentamento de espaços cênicos complexos.

Nos anos 2000, suas criações se situam no contexto da Cia. Vértice, uma estrutura que funciona como um grupo de interlocutores que não estão necessariamente em todos os trabalhos, mas que se organizam e reorganizam de acordo com os caminhos de cada projeto. Suas peças experimentam a criação em zonas fronteiriças entre categorias, como realidade e ficção, teatro e cinema, ator/atriz e personagem, teatro e performance. Mais recentemente, as fronteiras geopolíticas carregadas de conflitos passam a habitar o universo temático de seus espetáculos.

Em 2016, no programa Arte do Artista, Aderbal Freire-Filho, ator e encenador de imensa relevância (não apenas) no teatro carioca, perguntou a Jatahy sobre a nomeação que ela dá à sua função no teatro. Ela respondeu que se entende como autora: “Acho que o que eu faço é escrever, só que eu uso ferramentas vivas, tridimensionais. Em tudo o que eu faço, o pensamento dramatúrgico é muito presente.” Seus espetáculos são caracterizados pela sofisticada eloquência dos elementos cênicos, como os dispositivos cenográficos, em sua maior parte criados em parceria com Lipiani, a dimensão cinematográfica dos recursos audiovisuais, com a fotografia de Paulo Camacho, e um registro de atuação mais engajado na atenção plena ao momento presente do que na construção de personagens, trabalho visível na parceria com as atrizes Julia Bernat e Stella Rabello. As questões que impulsionam suas criações, as perguntas que ela se faz sobre as coisas do mundo estão sempre intimamente entrelaçadas com suas investigações sobre a linguagem do teatro na interação com outras áreas de produção de imaginários.

Seus projetos podem ser vistos a partir de um encadeamento dialógico: as questões suscitadas em uma peça ecoam nas peças seguintes, de modo que seu percurso criativo pode ser visto “como um novelo”, como disse em uma entrevista concedida a José da Costa para a Revista Sala Preta. Não por acaso, ela se interessa pelas trilogias. Por exemplo, a trilogia Uma cadeira para a solidão, duas para o diálogo, três para a sociedade é formada pelas peças Conjugado (2004), A falta que nos move ou Todas as histórias são ficção (2005) e Corte seco (2009). As três peças foram desenvolvidas com a metodologia dos sistemas dramatúrgicos de Sinisterra. As dramaturgias (cada uma a seu modo) partem de materiais diversos como entrevistas, depoimentos dos artistas, matérias de jornal, processos judiciais e outras fontes não literárias para a criação de narrativas de ficção.

Julia (2011), projeto que inicia uma nova trilogia, inicia também uma nova etapa de intensa circulação internacional. A primeira das três peças que revisitam e remexem textos canônicos foi criada a partir de Senhorita Julia, de August Strindberg. A segunda, E se elas fossem para Moscou? (2014), em diálogo com As três irmãs, de Anton Tchekhov. A terceira, A floresta que anda (2015), faz referência a Macbeth, de William Shakespeare. Enquanto a trilogia anterior trazia materiais da realidade para a construção ficcional, esta traça o caminho inverso, fazendo irromper a realidade a partir de obras de ficção. Aqui entra em cena, de modo mais literal, uma investigação das relações entre teatro e cinema – que já estava presente de maneira sutil em obras anteriores. Nestas três peças, o cinema e o teatro estão em franco diálogo, provocando o público a olhar criticamente para as narrativas e situações propostas.

Entre os trabalhos mais recentes, que estrearam fora do Rio de Janeiro, estão o díptico “Nossa Odisseia” (2018), composto por Ítaca, que inaugura a colaboração com Thomas Walgrave, com atrizes brasileiras e atores franceses, e O agora que demora, realizado com colaboradores da Palestina, Grécia, África do Sul, Líbano e Brasil. Entre chien et loup, criado a partir do filme Dogville, de Lars von Trier, estreou em 2021 no Festival de Teatro de Avignon.

Para além de afirmar o óbvio, de que fazer uma adaptação ou uma releitura é escrever dramaturgia, aqui interessa refletir por um momento sobre o trabalho específico de reescrever ou de "escrever por cima" dos clássicos, uma prática do teatro ocidental desde suas narrativas fundacionais. Essa problemática nos faz visualizar aspectos relevantes da noção de autoria nas artes da cena que confrontam o mito modernista do “Grande Artista”, pautado na fantasia da virilidade solo de um “senhor da criação”, uma espécie de deus, que inventa sozinho, do nada, um mundo “novo”, “original”. No teatro, a criação é embaralhada na colaboração de múltiplas autorias, sem pudores com a prática do re-uso, da citação, da repetição. O que a escritura cênica de Jatahy evidencia na pesquisa com as suas férteis parcerias é que rabiscar um clássico, no teatro, é tratá-lo como seu contemporâneo, tirando os “grandes autores” do passado das suas auráticas lápides de pedra para a vertigem corporalizada da criação colaborativa. A rasura é um gesto dramatúrgico tão insubordinado quanto fiel. Com reverência irreverente, a dramaturgia de Christiane Jatahy rasura os clássicos como quem escava um sítio arqueológico, ora com golpes de enxada, ora com a delicadeza do pincel, trazendo seu olhar implicado pelo presente para as peças que escolhe investigar.

Para evidenciar esta ética, esta noção de autoria, podemos observar a publicação do livro Fronteiras invisíveis – Diálogos para a criação de A floresta que anda, de Christiane Jatahy e colaboradores, lançado em 2017 pela editora Cobogó. São mais de 250 páginas de diálogos, gravados entre janeiro de 2015 e maio de 2016, transcritos e editados. Em vez de produzir um livro pautado por uma fala monológica, pela exposição do seu pensamento ou pela compilação de elogios, ela prefere revelar a dinâmica real da criação de seus espetáculos, na sua materialidade mais laboriosa: a conversa entre pares. Ali fica evidente como as ideias não são propriedade de uma ou outra mente isolada, como a criação artística no teatro não acontece como uma tacada de mestre de um gênio solitário, mas no trabalho braçal do diálogo, da troca, da dúvida, da escuta, dos silêncios, das diferenças, das colaborações e dos embates. Com essa publicação, a artista não apenas expõe o seu processo criativo, mas, principalmente, marca um posicionamento, afirmando o modo como entende o que é criar teatro nesse momento da sua trajetória.

Daniele Avila Small

Christiane Jatahy é dramaturga, diretora teatral e cineasta.

Christiane Jatahy é uma das artistas do teatro brasileiro que mais tem reconhecimento no cenário internacional atualmente. É artista associada do Odéon-Théâtre de L’Europe (França), do CENTQUATRE-PARIS (França), da Schauspielhaus Zürich (Suíça), do Arts Emerson Boston (EUA) e do Piccolo Teatro di Milano (Itália). Em 2018, foi a convidada da Bienal Artista na Cidade, de Lisboa. É a primeira brasileira a dirigir uma peça na Comédie-Française. Em 2022, recebeu o Leão de Ouro na Bienal de Veneza pelo conjunto da sua obra. Suas peças têm circulado fora do país desde a montagem de A falta que nos move, peça de 2005 que se desdobrou em criação cinematográfica.

Foi no Rio de Janeiro que Jatahy iniciou a sua carreira. Trabalhou como atriz nos anos 1980 com o grupo Mergulho no Trágico e começou a dirigir nos anos 1990. Sua formação como dramaturga tem estreita relação com o autor e pesquisador espanhol José Sanchis Sinisterra, com quem estudou e trabalhou. Suas primeiras encenações foram realizadas a partir de clássicos do universo infantojuvenil, o que evidencia um desejo de escrever a cena a partir de materiais prévios, de se posicionar criativamente diante de um legado da cultura. Peter Pan (1996), Alice (1998) e Pinóquio (1999) compunham a Trilogia da Iniciação. As peças foram realizadas com o Grupo Tal, composto por ela, Marcelo Lipiani e um elenco de 20 artistas. O fato de que estes espetáculos foram criados no icônico e cinematográfico Parque Laje já aponta uma disposição para o enfrentamento de espaços cênicos complexos.

Nos anos 2000, suas criações se situam no contexto da Cia. Vértice, uma estrutura que funciona como um grupo de interlocutores que não estão necessariamente em todos os trabalhos, mas que se organizam e reorganizam de acordo com os caminhos de cada projeto. Suas peças experimentam a criação em zonas fronteiriças entre categorias, como realidade e ficção, teatro e cinema, ator/atriz e personagem, teatro e performance. Mais recentemente, as fronteiras geopolíticas carregadas de conflitos passam a habitar o universo temático de seus espetáculos.

Em 2016, no programa Arte do Artista, Aderbal Freire-Filho, ator e encenador de imensa relevância (não apenas) no teatro carioca, perguntou a Jatahy sobre a nomeação que ela dá à sua função no teatro. Ela respondeu que se entende como autora: “Acho que o que eu faço é escrever, só que eu uso ferramentas vivas, tridimensionais. Em tudo o que eu faço, o pensamento dramatúrgico é muito presente.” Seus espetáculos são caracterizados pela sofisticada eloquência dos elementos cênicos, como os dispositivos cenográficos, em sua maior parte criados em parceria com Lipiani, a dimensão cinematográfica dos recursos audiovisuais, com a fotografia de Paulo Camacho, e um registro de atuação mais engajado na atenção plena ao momento presente do que na construção de personagens, trabalho visível na parceria com as atrizes Julia Bernat e Stella Rabello. As questões que impulsionam suas criações, as perguntas que ela se faz sobre as coisas do mundo estão sempre intimamente entrelaçadas com suas investigações sobre a linguagem do teatro na interação com outras áreas de produção de imaginários.

Seus projetos podem ser vistos a partir de um encadeamento dialógico: as questões suscitadas em uma peça ecoam nas peças seguintes, de modo que seu percurso criativo pode ser visto “como um novelo”, como disse em uma entrevista concedida a José da Costa para a Revista Sala Preta. Não por acaso, ela se interessa pelas trilogias. Por exemplo, a trilogia Uma cadeira para a solidão, duas para o diálogo, três para a sociedade é formada pelas peças Conjugado (2004), A falta que nos move ou Todas as histórias são ficção (2005) e Corte seco (2009). As três peças foram desenvolvidas com a metodologia dos sistemas dramatúrgicos de Sinisterra. As dramaturgias (cada uma a seu modo) partem de materiais diversos como entrevistas, depoimentos dos artistas, matérias de jornal, processos judiciais e outras fontes não literárias para a criação de narrativas de ficção.

Julia (2011), projeto que inicia uma nova trilogia, inicia também uma nova etapa de intensa circulação internacional. A primeira das três peças que revisitam e remexem textos canônicos foi criada a partir de Senhorita Julia, de August Strindberg. A segunda, E se elas fossem para Moscou? (2014), em diálogo com As três irmãs, de Anton Tchekhov. A terceira, A floresta que anda (2015), faz referência a Macbeth, de William Shakespeare. Enquanto a trilogia anterior trazia materiais da realidade para a construção ficcional, esta traça o caminho inverso, fazendo irromper a realidade a partir de obras de ficção. Aqui entra em cena, de modo mais literal, uma investigação das relações entre teatro e cinema – que já estava presente de maneira sutil em obras anteriores. Nestas três peças, o cinema e o teatro estão em franco diálogo, provocando o público a olhar criticamente para as narrativas e situações propostas.

Entre os trabalhos mais recentes, que estrearam fora do Rio de Janeiro, estão o díptico “Nossa Odisseia” (2018), composto por Ítaca, que inaugura a colaboração com Thomas Walgrave, com atrizes brasileiras e atores franceses, e O agora que demora, realizado com colaboradores da Palestina, Grécia, África do Sul, Líbano e Brasil. Entre chien et loup, criado a partir do filme Dogville, de Lars von Trier, estreou em 2021 no Festival de Teatro de Avignon.

Para além de afirmar o óbvio, de que fazer uma adaptação ou uma releitura é escrever dramaturgia, aqui interessa refletir por um momento sobre o trabalho específico de reescrever ou de "escrever por cima" dos clássicos, uma prática do teatro ocidental desde suas narrativas fundacionais. Essa problemática nos faz visualizar aspectos relevantes da noção de autoria nas artes da cena que confrontam o mito modernista do “Grande Artista”, pautado na fantasia da virilidade solo de um “senhor da criação”, uma espécie de deus, que inventa sozinho, do nada, um mundo “novo”, “original”. No teatro, a criação é embaralhada na colaboração de múltiplas autorias, sem pudores com a prática do re-uso, da citação, da repetição. O que a escritura cênica de Jatahy evidencia na pesquisa com as suas férteis parcerias é que rabiscar um clássico, no teatro, é tratá-lo como seu contemporâneo, tirando os “grandes autores” do passado das suas auráticas lápides de pedra para a vertigem corporalizada da criação colaborativa. A rasura é um gesto dramatúrgico tão insubordinado quanto fiel. Com reverência irreverente, a dramaturgia de Christiane Jatahy rasura os clássicos como quem escava um sítio arqueológico, ora com golpes de enxada, ora com a delicadeza do pincel, trazendo seu olhar implicado pelo presente para as peças que escolhe investigar.

Para evidenciar esta ética, esta noção de autoria, podemos observar a publicação do livro Fronteiras invisíveis – Diálogos para a criação de A floresta que anda, de Christiane Jatahy e colaboradores, lançado em 2017 pela editora Cobogó. São mais de 250 páginas de diálogos, gravados entre janeiro de 2015 e maio de 2016, transcritos e editados. Em vez de produzir um livro pautado por uma fala monológica, pela exposição do seu pensamento ou pela compilação de elogios, ela prefere revelar a dinâmica real da criação de seus espetáculos, na sua materialidade mais laboriosa: a conversa entre pares. Ali fica evidente como as ideias não são propriedade de uma ou outra mente isolada, como a criação artística no teatro não acontece como uma tacada de mestre de um gênio solitário, mas no trabalho braçal do diálogo, da troca, da dúvida, da escuta, dos silêncios, das diferenças, das colaborações e dos embates. Com essa publicação, a artista não apenas expõe o seu processo criativo, mas, principalmente, marca um posicionamento, afirmando o modo como entende o que é criar teatro nesse momento da sua trajetória.

Daniele Avila Small

Ela se levanta e fala diretamente para o público.

Esta peça é o fechamento de uma trilogia e no final de todos os trabalhos, nós, através
de mim, sempre falamos sobre o que realmente nos move em cada criação.
No texto do Macbeth, depois que ele enlouquece no final da cena do banquete, no
terceiro ato da peça, ele acaba revelando a verdade sobre seus atos na frente de todos,
não é mais possível esconder o horror daquele momento. Então Lady Macbeth pede que
todos saiam juntos.
Aqui, agora, neste momento, também nós estamos diante do horror dos tempos
sombrios em que vivemos. Dá vontade de sair, não é? Eu pelo menos tenho essa
vontade. Se a gente pudesse sair disso, se a gente pudesse mudar... Mas como a gente
faz para mudar? De novo a gente faz a mesma pergunta: “De verdade, como a gente faz
para mudar?” No final da peça Julia, em que eu faço a Julia, eu dizia que o que a gente
ia ver ainda era o final do Strindberg. Hoje, aqui, nos voltando para o texto do
Shakespeare, na profecia das bruxas, elas dizem que somente quando o bosque andasse,
de Birnam até Dunsinane, Macbeth iria perder o poder.

Procura o livro na bolsa.
Pede ajuda a alguém do público para ler um trecho com ela.
Ela lê Macbeth, alguém do público lê o Mensageiro.


MENSAGEIRO: Majestade, deveria eu contar o que estou certo que vi, porém não sei
como fazê-lo.
MACBETH: Vamos, fala.
MENSAGEIRO: Estando eu de sentinela, no alto da colina, volvi os olhos, eis que vejo
mover a floresta.
MACBETH: Mentes, miserável.
MENSAGEIRO: Desabe sobre mim a vossa cólera, real senhor, se isso não for verdade.
Repito, é uma floresta que anda.

Ela agradece e pega o livro de volta.

Por trás de cada arbusto, de cada galho, havia um homem que o segurava, e eram tantos
que queriam mudar aquela história que uma floresta andou.

As telas se movem, as vozes gravadas das leituras do público sobrepõem-se a um coro
de vozes e música. As telas vão chegando cada vez mais perto. Uma câmera no alto das
telas mostra o público. No fundo, a house mix está acesa, todos somos vistos. Júlia
coloca o solitário e sangue na boca. Ela é filmada em um close bem fechado. Da boca
escorre o sangue, do sangue sai o solitário. Em off, o texto.

“Sangra, perece, pobre pátria! Nosso país, curvado ao jugo, chora e se esvai em sangue.
E a cada novo dia uma punhalada vem juntar-se aos golpes recebidos.”

O volume da música aumenta. A câmera sobe para os olhos dela. Apenas os olhos e
nós. Blecaute. As telas voltam para o lugar inicial. Ouvimos de novo as vozes dos
entrevistados. As imagens dos documentários nas quatro telas voltam a ser projetadas.
As luzes se acendem aos poucos.
Recomeço.
Fim.


(Fragmento de A floresta que anda)